Roteiros homiléticos

Publicado em maio-junho de 2021 - ano 62 - número 339 - pág.: 49-52

SANTÍSSIMA TRINDADE – 30 de maio

Por Izabel Patuzzo

Deus comunhão

I. INTRODUÇÃO GERAL

Na tradição apostólica, os discípulos de Jesus são batizados em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo. Essa comunhão do Pai, do Filho e do Espírito Santo chamamos também de Trindade Santa. E o batismo em nome da Trindade comporta exigências precisas para os discípulos. A primeira delas consiste na comunhão fraterna eclesial, inspirada no modelo trinitário. Com a Trindade, os discípulos aprendem a construir uma comunidade a serviço uns dos outros, sem espírito de competição. Ninguém se sente superior aos demais, pois todos servem em diferentes ministérios. A exemplo da Trindade, buscam a comunhão e a corresponsabilidade.

A solenidade que celebramos é um convite para contemplar a comunhão entre as três pessoas da Santíssima Trindade, comunhão essa que resulta do amor. A gratuidade deve ser a marca característica do amor cristão. Esse ideal trinitário leva os discípulos a superar todas as formas de inimizade, contendas, rivalidades, competições, críticas destrutivas e tantas outras atitudes que não contribuem para a unidade entre irmãos. Viver desunido é uma das muitas negações da fé. Em direção contrária, a fé trinitária busca a comunhão verdadeira e profunda, a exemplo do próprio Deus.

II. COMENTÁRIO DOS TEXTOS BÍBLICOS

1. I leitura (Dt 4,32-34.39-40)

Na primeira leitura, o Senhor revela-se como o Deus que constrói laços profundos de amor, sempre tomando a iniciativa de estabelecer comunhão com seu povo escolhido. Ele vai ao encontro das pessoas, fala-lhes ao coração, indica caminhos seguros de vida, solidariedade, justiça e retidão. O livro do Deuteronômio destaca que a Aliança entre Deus e seu povo exige de Israel a prática dos mandamentos recebidos no Sinai. As diretivas que Deus propõe são caminhos de vida e de bênção na Terra Prometida, para que nunca mais Israel experimente a escravidão. Por isso, por meio de discursos colocados na boca de Moisés, o autor deuteronomista convida a comunidade de fé a contemplar sua história.

A relação entre o Senhor e Israel é extraordinária história de amor. A escolha por esse povo constitui iniciativa gratuita de um Deus que não elege um povo forte e numeroso, mas fraco, necessitado e oprimido. Por isso, o livro do Deuteronômio convida Israel a reconhecer que o Senhor é o único Deus e que o caminho que ele aponta, por meio de seus mandamentos, é de felicidade. A prática das normas por parte do povo escolhido garante a permanência na terra; são orientações justas, fraternas, solidárias, que marcam a identidade de Israel.

2. II leitura (Rm 8,14-17)

A segunda leitura continua a mensagem da primeira. Deus não é um ser distante, inacessível ou indiferente aos sofrimentos humanos. Paulo parte da realidade batismal, isto é, da filiação divina que nos torna livres, pois todos recebemos o Espírito de liberdade, e não de escravidão. Nada nos é imposto, apenas nos é oferecido, e nossa adesão é também uma resposta de amor. Dessa forma, o apóstolo procura mostrar aos cristãos que, libertos do peso da lei humana, do pecado e da morte, em Jesus Cristo, deixaram a vida da carne – isto é, a vida de orgulho, egoísmo, autossuficiência e fechamento – para viver uma vida segundo o Espírito.

O batismo nos torna filhos de Deus e herdeiros de sua graça. A herança reservada a todos os batizados é a vida plena e definitiva. Segundo o ensinamento de Paulo, nosso Deus é relação; ele sempre vai ao encontro do ser humano para integrá-lo na sua família, oferecendo-lhe a salvação. Esse texto resume a essência do cristianismo: a paternidade divina é fonte de amor e misericórdia. E o privilégio de seus filhos é chamá-lo de “Abba” – Pai –, assim como na oração que Jesus nos ensinou. Para exprimir essa filiação, Paulo usa o termo “adoção”, no sentido de que tanto judeus como gentios são integrados na grande família de Deus. O novo povo escolhido já não é Israel, mas todos os batizados.

3. Evangelho (Mt 28,16-20)

O texto do Evangelho narra o envio dos onze apóstolos para a missão de evangelizar em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo. Em primeiro lugar, a missão consiste em fazer que todas as pessoas se tornem discípulas de Cristo, possibilitando-lhes entrar em comunhão com ele; em segundo lugar, acolhê-las no seio da comunidade, batizando-as em nome da Trindade. Os onze encontram Jesus na montanha, isto é, no mesmo lugar onde iniciaram seu discipulado durante a atividade pública de Jesus. É nesse lugar que Cristo confia aos discípulos a missão de ir a todos os povos, batizar e ensiná-los a observar tudo quanto ele lhes ordenou. Todos aqueles que recebem o batismo entram numa relação específica com cada uma das pessoas da Trindade. A presença de cada uma delas na vida do batizado realiza ações diversificadas: Deus Pai se exprime como o criador que sustenta a obra da criação e tem um plano de salvação; o Filho assume a condição humana para dar visibilidade ao amor do Pai, entregando-se na cruz; o Espírito anima a comunidade de discípulos que Jesus instituiu.

Mateus situa o início da missão dos apóstolos na Galileia, onde Jesus também desenvolveu grande parte de sua missão. Essa região era muito povoada e favorecia o encontro de vários povos. Marcada pelo convívio dos judeus com outros povos diferentes, é considerada pelo evangelista o lugar apropriado para iniciar a missão universal da Igreja. O envio em missão sinaliza o último encontro dos onze com Jesus ressuscitado. A Igreja de Jesus é essencialmente missionária, e sua missão é testemunhar, no mundo, a proposta de salvação e libertação que Jesus veio trazer à humanidade, e que deixou nas mãos e no coração dos discípulos. A primeira nota desse envio missionário é a da universalidade da missão: os discípulos são enviados ao mundo inteiro. A segunda é a catequese de iniciação à vida cristã que a comunidade de Mateus já conhece.

O relato descreve, com precisão, a imagem da Igreja segundo Mateus. Ela não é somente comunidade de santificados pelo sacramento, mas também de praticantes de nova obediência. O discípulo se qualifica como tal pela tradução, na prática, do ensinamento do mestre. Jesus é apresentado como o Filho obediente ao Pai; sua palavra é um mandato e, como tal, dirige-se à nossa vontade, para que respondamos com nova obediência. Dirige-se aos discípulos como seres performativos, colocando-os perante novas tarefas missionárias. A práxis proposta é fazer aos outros o que o próprio Jesus fez com eles, amando-os até o fim.

A obediência ao mandato missionário é acompanhada de uma promessa. O Senhor assegura à Igreja sua presença contínua e perene. O judaísmo conhecia a presença de Deus entre os fiéis observantes da Lei. Aqui é Jesus quem garante, quem está presente no meio dos seus discípulos, isto é, daqueles que põem em prática sua palavra. A Igreja não foi deixada sozinha no seu longo e cansativo caminho histórico. Jesus Cristo a acompanha, sustenta, encoraja, purifica. Se Jesus de Nazaré indicou o caminho a ser percorrido, o Ressuscitado dá força para o trilharmos. O empenho encontra no dom da graça sua possibilidade radical. A comunidade dos discípulos experimenta a forte presença transformadora do seu Senhor. Cristo não veio somente para revelar as exigências definitivas do Pai, mas também para estar com os seus no caminho da obediência e do amor operante.

III. PISTAS PARA REFLEXÃO

As leituras escolhidas para esta solenidade nos convidam a contemplar o Deus que é amor, comunhão, família, comunidade missionária de batizados. Como cristão batizado, tenho sido coerente com a graça que recebi no dia do meu batismo?

Quem acolhe o convite divino apresentado por Jesus para integrar-se à comunidade trinitária torna-se testemunha dessa vida nova que Deus oferece. O papel dos discípulos é continuar a missão universal, que supera todas as barreiras geográficas, étnicas, culturais e sociais. Todo batizado, sem exceção, tem lugar na família de Deus. Tenho consciência de que sou enviado pelo Senhor a anunciar esse convite – dirigido a todas as pessoas de todos os tempos – para integrar a família de Deus?

Num mundo marcado por polarizações, divisões e intolerância às diferenças, como testemunhar essa espiritualidade de comunhão própria da Trindade Santa? Que atitudes, inspirados na Trindade, devemos cultivar para superar preconceitos e divisões?

Izabel Patuzzo

pertence à Congregação Missionárias da Imaculada – PIME. É assessora nacional da Comissão Episcopal Pastoral para a Animação Bíblico-Catequética da CNBB. Mestre em Aconselhamento Social pela South Australian University e em Teologia Bíblica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, é licenciada em Filosofia e Teologia pela Faculdade Nossa Senhora da Assunção,
em São Paulo. E-mail: [email protected]