Publicado em janeiro-fevereiro de 2021 - ano 62 - número 337 - pág.: 58-60
QUARTA-FEIRA DE CINZAS – 17 de fevereiro
Por Izabel Patuzzo
A misericórdia divina aceita nossa penitência e conversão
I. INTRODUÇÃO GERAL
Com esta liturgia, iniciamos um tempo especial na vida da Igreja, a Quaresma, em que intensificamos a prática da oração, do jejum e da caridade para entrarmos, de modo mais profundo, no mistério da paixão, morte e ressurreição de Jesus. As cinzas que recebemos vêm de longa tradição bíblica e significam a fragilidade e finitude da nossa vida. São também sinal de arrependimento diante de Deus.
Nossa Igreja local inicia também a Campanha da Fraternidade, que neste ano reflete sobre o tema: “Fraternidade e diálogo: compromisso de amor” e o lema: “Cristo é nossa paz: do que era dividido fez uma unidade” (Ef 2,14), tendo como objetivo enriquecer o tempo quaresmal com o convite ao diálogo – dirigido a todos os cristãos e pessoas de boa vontade –, como forma de superar as polarizações e a violência que têm marcado nossa sociedade nos últimos tempos. Como discípulos de Jesus, somos chamados a testemunhar a unidade na diversidade por meio do diálogo fraterno e amoroso.
II. COMENTÁRIO DOS TEXTOS BÍBLICOS
1. I leitura (Jl 2,12-18)
Nesta leitura, o profeta Joel mostra que o Senhor Deus chama o povo escolhido à conversão por meio de jejum, lágrimas e lamentos. O profeta exerce seu ministério no pós-exílio. Fiel ao serviço do templo de Deus, ele exorta o povo em momentos de crise. O flagelo da fome atingia grande parte da população. O culto havia cessado com a destruição do templo, e sua reconstrução levou décadas para ser concluída. O clima era de desânimo, pois retomar a vida no pós-exílio foi difícil para todos em vários aspectos.
A súplica do profeta para que o povo volte ao Senhor por meio da penitência e da conversão é, na verdade, forte apelo ao povo para retomar o caminho de proximidade com Deus, é uma proposta de reunir a comunidade dispersa e voltar a ser novamente o povo de Deus reunido. Por meio de sua profecia, Joel convida Israel à prática do amor sincero a Deus, a uma fé constante e à reconstrução de sua esperança, que se expressa na oração penitente, pois o Senhor Deus é cheio de zelo e compaixão para com seu povo.
2. II leitura (2Cor 5,20-6,2)
Nesta mensagem de Paulo dirigida aos cristãos de Corinto, o apóstolo exorta os discípulos de Jesus a se reconciliarem com Deus por meio da graça. Essa reconciliação, segundo ele, parte da iniciativa divina, e não humana. A reconciliação, de acordo com Paulo, é oferecida por Deus; Ele é o sujeito dessa ação. A leitura nos recorda que Cristo, por livre decisão, carregou sobre si o pecado do mundo. O apóstolo convida a comunidade de Corinto a acolher o tempo da graça como um tempo favorável de reconciliação; ou seja, o convite é para que cada um se torne nova criatura em Cristo, uma pessoa renovada que se deixa conduzir pela graça.
3. Evangelho (Mt 6,1-6.16-18)
O evangelista oferece orientações para ajudar a comunidade na prática da caridade, da oração e do jejum. No relato de Mateus, Jesus pede aos seus discípulos que procurem ir além dos escribas e fariseus, no que se refere à pratica da justiça. A esmola tinha como único objetivo a solidariedade para com o necessitado e não podia ser usada como meio de obter prestígio. A oração se refere à íntima relação com Deus. Orar exprime a necessidade de estar sempre em contato com ele. O discípulo cultiva sua vida de oração porque sente a necessidade de se aproximar de Deus, e não para receber aplausos. O jejum deve ser sinal de nossa penitência e desejo de conversão. É fazer um esforço de nos privarmos de algo que falta para muitos. Pode ser uma forma de ser solidário a quem não tem o necessário para viver.
Jesus nos ensina que as obras de penitência, como a esmola, o jejum e a oração – que também são nossas práticas quaresmais –, devem ser expressão de nossa retidão, de nosso sincero desejo de sermos mais coerentes com nossas convicções e nossa fé em Cristo. Tais práticas nos convidam a sair de nós mesmos e não são razões para sermos admirados, mas uma oportunidade para crescermos em santidade, em nossa solidariedade com o próximo e em nossa relação com Deus.
III. Pistas para reflexão
Iniciamos nossa caminhada de 40 dias, que nos prepara para a Páscoa do Senhor, fazendo memória do tempo que Jesus permanece no deserto antes de iniciar seu ministério público. Tempo de silêncio, de nos retirarmos para nos preencher do essencial, de vencer as tentações, de nos fortalecermos nas decisões que nos tornam verdadeiros filhos e filhas de Deus. Tempo de esmola, jejum e oração no silêncio, para que somente Deus veja.
A Campanha da Fraternidade, por meio do símbolo da ciranda, põe-nos em relação com os outros. Na ciranda não há o primeiro nem o último, estamos juntos em comunhão. É o esforço para entrarmos no mesmo compasso do discipulado de Jesus, que é serviço. Que a proposta da CF fortaleça nossa disposição de sermos instrumentos e construtores do diálogo e da paz. Que apliquemos todo nosso esforço para encontrar formas de superação das divisões e violências existentes na sociedade e entre nós. Que a caminhada quaresmal nos anime ao diálogo fraterno que constrói a unidade querida por Deus.
Izabel Patuzzo
pertence à Congregação Missionárias da Imaculada – PIME. É assessora nacional da Comissão Episcopal Pastoral para a Animação Bíblico-Catequética da CNBB. Mestre em Aconselhamento Social pela South Australian University e em Teologia Bíblica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, é licenciada em Filosofia e Teologia pela Faculdade Nossa Senhora da Assunção, em São Paulo. E-mail: [email protected]