Publicado em novembro-dezembro de 2020 - ano 61 - número 336 - pág.: 53-56
3º DOMINGO DO ADVENTO – 13 de dezembro
Por Ir. Aíla L. Pinheiro de Andrade, nj
Meu espírito se alegra em Deus, meu Salvador
I. INTRODUÇÃO GERAL
No passado, assim como hoje, as pessoas viviam em situação de miséria, violência, guerra e muitos outros sofrimentos. Por meio de diversas pessoas, Deus garantiu que amava seu povo, que não o abandonaria nos sofrimentos e dificuldades e que tinha um plano segundo o qual o mal chegaria ao fim. Por isso, as leituras desta liturgia nos chamam a atenção para a alegria alicerçada na garantia de que Deus nos ama e nos propõe ajudá-lo na construção do seu Reino de amor e paz. Deus espera nosso consentimento e nosso empenho nesse empreendimento de edificação da fraternidade, da justiça, do amor e da paz. Portanto, nossa alegria é real, mesmo quando passamos por problemas e dificuldades, porque se baseia no amor de Deus por nós e na sua ação na história, sempre presente em nossa vida, assegurando sua fidelidade e realizando seu Reino, que em breve se plenificará.
II. COMENTÁRIOS DOS TEXTOS BÍBLICOS
1. Evangelho (Jo 1,6-8.19-28)
O Evangelho deste dia afirma que João Batista foi “enviado por Deus”. Essa expressão, frequentemente utilizada no Antigo Testamento, aqui significa que a missão do precursor não é humana, mas está alicerçada na vontade de Deus. Após essa afirmação sobre João Batista, o Evangelho faz clara distinção entre ele e Jesus. João veio como testemunha, o que indica o propósito da missão que Deus lhe conferiu. A afirmação de que o Batista veio para “dar testemunho da luz” define mais especificamente sua missão. O texto esclarece que a luz era o Verbo, o Filho de Deus. “Para que todos cressem por meio dele” indica que o propósito da missão de João é despertar a fé nas pessoas. Fé que é muito mais que mero sentimento, pois exige mudança de pensamento e testemunho de vida. O relato evangélico continua com a vinda de uma delegação oficial dos fariseus, enviada de Jerusalém para investigar o Batista. Os fariseus insistem em saber sua identidade e a natureza de sua missão, ou seja, queriam ter certeza de sua ortodoxia, se ensinava ou não de acordo com a doutrina. Além disso, era dever dos líderes judeus, perante as autoridades romanas, a manutenção da paz na Judeia, pois, caso contrário, eles corriam o risco de perder sua posição de autoridade. João era uma daquelas pessoas que atraíam multidões, o que o tornava suspeito de provocar uma revolução. Ele, ao final, identifica-se, recorrendo a uma citação do profeta Isaías (Is 40,3). Confessa não ser nem o Cristo nem o profeta, mas apenas uma voz conclamando as pessoas a se prepararem para a vinda de Cristo. É aqui que a missão do precursor tem a ver conosco, hoje, ao nos prepararmos para o Natal e para a segunda vinda de Cristo. É necessário prepararmos o caminho, isto é, remover todos os obstáculos que impedem a marcha da ação de Cristo em nossa vida. Os fariseus também queriam saber com que autoridade João exigia batismo para os judeus. João responde, marcando nítido contraste entre ele e seu sucessor: deixa de lado a questão do batismo e aponta para o Cristo, desconhecido deles. Estabelece a grandeza daquele que está chegando, em comparação à indignidade pessoal do precursor, usando uma imagem do cotidiano daquela época. O escravo tinha a tarefa de desatar a sandália de seu dono, mas nem disso João se sente digno. Assim, o Batista rejeita categoricamente qualquer pretensão de grandeza. Somos convidados a nos situarmos na mesma atitude de João Batista: dar a oportunidade ao mundo atual de acolher e de “conhecer” Jesus, “aquele” que o Pai enviou. O Cristo é o único que tem uma proposta de vida plena para a humanidade.
2. I leitura (Is 61,1-2a.10-11)
A primeira leitura anuncia um tempo novo, de vida plena. No contexto em que foi escrito esse texto, havia muita desigualdade social, muitos passavam fome, outros eram presos por causa do empobrecimento derivado de grandes dívidas causadas pelo aumento dos impostos. É nesse contexto que se levanta a voz do profeta, conclamando à criação de uma cultura de solidariedade, que se expresse, antes de tudo, em ajuda direcionada aos mais necessitados. Contra aquele estado de coisas, eleva-se a ação libertadora do Servo mencionado pelo profeta: “O Espírito do Senhor Deus está sobre mim, porque o Senhor me ungiu e me enviou: para evangelizar os oprimidos; para curar os corações quebrados (as feridas da alma); para proclamar a libertação aos presos e a abertura do cárcere aos prisioneiros; para proclamar o Ano da Graça do Senhor; para confortar o aflito”.
O termo “para” indica o propósito messiânico da missão do Servo, que não é somente exigir dos outros que o façam, mas fazê-lo como um delegado de Deus e portador da salvação divina, porque ele foi ungido pelo Espírito criador e salvador. O “Ano da Graça” será o tempo definitivo, a plenitude da liberdade criadora de Deus, a qual, para nós, cristãos, acontece com Jesus Cristo. Essa missão do Servo foi plenificada por Jesus; ele nos tirou do cárcere do egoísmo e, portanto, cabe-nos levantar nossa voz em favor do sofredor para que a vida e a missão de Jesus tenham efeito em nossa época.
3. II leitura (1Ts 5,16-24)
Na segunda leitura, Paulo apresenta o cristianismo não como um conjunto de obrigações, mas como um modo de vida orientada para Deus na alegria, na oração e na ação de graças. Na vida orientada para Deus, o discernimento é um passo necessário para lidar com o inevitável risco de falsos carismas. Por isso, o apóstolo, logo a seguir, põe-se de guarda contra crenças ingênuas ou manifestações espirituais fantasiosas. Hoje, tanto quanto no tempo de Paulo, cresce cada vez mais a busca por supostos carismas extraordinários. Paulo chama a atenção para que se tome cuidado com certos tipos de profecias.
Em última análise, Deus é o autor de todos os dons concedidos aos cristãos. E nossa santificação não é apenas desejo de Deus, mas é obra divina em nós. Assim, a fidelidade de Deus às suas próprias promessas garante que ele mesmo plenificará em nós aquilo a que fomos chamados, a santidade. Deus está comprometido com a humanidade e, por grande que seja a fragilidade humana, maior é a fidelidade de Deus. Então podemos nos perguntar: que atitude se deve assumir enquanto se espera pelo Senhor? Que tipo de comunidade vive fervorosamente a espera pelo Senhor?
III. PISTAS PARA REFLEXÃO
Nossa época é marcada por uma multidão de seres humanos que vivem numa situação intolerável de carência de bens, de dignidade, de liberdade, de justiça, que não têm acesso aos bens essenciais (educação, saúde, trabalho, moradia), que não têm vez nem voz, que são explorados por sistemas econômicos geradores de exclusão, alienação e miséria. Isso tudo nos causa profunda tristeza. Deus, contudo, não abandona essa multidão, espalhada pelo mundo, à miséria e ao sofrimento. Ele tem um projeto de vida para cada ser humano esmagado pelo egoísmo, pela violência e pela omissão de muitos. Não é indiferente, não pactua com a exclusão, o racismo, o terrorismo, o tráfico de drogas, o imperialismo, a prepotência. Deus ama e se faz próximo de cada sofredor. Sua graça e seu amor dão forças para vencer o desânimo, o frio da noite, o calor do dia, o estômago vazio e as forças da morte. Isso nos traz alegria. Ele conta conosco para que, por meio de nós, possa demonstrar seu amor e seu cuidado a cada sofredor. Isso nos dá responsabilidade.
Ir. Aíla L. Pinheiro de Andrade, nj
graduada em Filosofia e em Teologia, cursou mestrado e doutorado em Teologia Bíblica pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia – Faje (MG). Atualmente, leciona na pós-graduação em Teologia na Universidade Católica de Pernambuco – Unicap. E-mail: [email protected]