Publicado em julho-agosto de 2020 - ano 61 - número 334 - pág.: 63-64
22º DOMINGO DO TEMPO COMUM – 30 de agosto
Por Ir. Rita Maria Gomes
A cruz: caminho do seguidor de Jesus
I. Introdução geral
Na liturgia dos domingos anteriores, foram consideradas a questão do Reino dos céus, daqueles que pertencem ao Reino e dos que não pertencem, e a do reconhecimento de Jesus como Messias (Cristo), Filho de Deus e Filho do Homem. Neste domingo, a liturgia considera o destino do Messias e de seus seguidores. Falar em nome de Deus trará consequência para o profeta, seguir seu enviado também. É nessa linha que caminham o Evangelho e a primeira leitura. A segunda leitura é uma exortação para que os cristãos se assemelhem ao Mestre na entrega da própria vida. O que se espera dos seguidores do Messias é justificado pelo desejo de Deus expresso no salmo: “A minha alma tem sede de vós como a terra sedenta, ó meu Deus!” (Sl 62).
II. Comentários dos textos bíblicos
1. Evangelho (Mt 16,21-27)
A leitura deste domingo continua a do domingo passado. Depois da confissão de Pedro e dos discípulos, dos quais Pedro é o porta-voz, segue-se a primeira unidade de predição da paixão. Nesse trecho, o evangelista apresenta o anúncio da paixão como ensinamento de Jesus a seus discípulos. A esse anúncio, Pedro, novamente ele, toma Jesus à parte e o repreende. É um tanto estranho que um discípulo tenha tal autoridade para se dirigir ao Mestre e chamar sua atenção. É verdade que, no Evangelho do domingo passado, foi narrado o lugar especial que Pedro ocupa no Reino dos céus e a autoridade que lhe foi conferida, mas nem isso o põe em condições de superioridade em relação ao Senhor. Por isso, Jesus, diante da censura de Pedro, repreende-o duramente: “Vai para trás de mim, satanás!” (v. 23). Nossas traduções normalmente trazem: “Afasta-te de mim, satanás!”. Essa tradução não faz jus à mensagem do texto, pois deixa na obscuridade o fato de que Jesus diz a Pedro que assuma o lugar de discípulo, ou seja, atrás do Mestre. Pedro não é o Senhor, mas o discípulo, que ainda tem muito a aprender.
O que começa como um ensinamento dirigido a Pedro é expandido agora aos outros discípulos. Nesse ensinamento, Jesus deixa claro que a cruz é condição para seu seguimento. Não é possível seguir a Cristo negando a cruz, pois o discípulo não é maior que o Mestre. A mesma ideia é reforçada pela frase: “Quem quiser salvar a sua vida vai perdê-la; e quem perder a sua vida por causa de mim vai encontrá-la” (v. 25). O final da leitura retoma o tema do julgamento escatológico, presente nas parábolas do Reino, por meio da noção de retribuição.
2. I leitura (Jr 20,7-9)
A primeira leitura, tirada do profeta Jeremias, traz um trecho comumente retomado no âmbito vocacional. Essa leitura, porém, foi um pouco romantizada, pois o profeta está reclamando a Deus por causa dos sofrimentos advindos de sua condição de profeta. Falar em nome de Deus lhe causa muitas dificuldades, a ponto de declarar que a Palavra do Senhor lhe é fonte de vergonha (v. 8). O sofrimento é tal, que o profeta deseja não mais falar em nome de Deus, nem mesmo lembrar. No entanto, está tão ligado ao Senhor, que sente interiormente um ardor em seu corpo, o qual o leva a desfalecer. Ele não pode simplesmente se afastar do Senhor e de seus caminhos.
3. II leitura (Rm 12,1-2)
A segunda leitura, da carta ao Romanos, traz uma exortação aos cristãos para que façam da própria vida um sacrifício santo e agradável a Deus. Isso significa simplesmente viver voltado para Deus e para seu projeto salvífico. Essa entrega é um culto a Deus. Além disso, a carta exorta, como consequência da primeira exortação, a transformar a mentalidade, ou seja, a não viver conforme a lógica do mundo, contrária a Deus. Não se conformar com o mundo supõe conformar-se ao Cristo e, assim, viver segundo a vontade divina.
III. Pistas para reflexão
As leituras da liturgia deste domingo estão voltadas para a questão do seguimento de Cristo. Segui-lo supõe viver como ele viveu e, em alguns casos, morrer como ele morreu. É nessa linha que o apóstolo exorta e anima os cristãos a se oferecerem como sacrifícios vivos, santos e agradáveis a Deus. Conformar a vida ao Cristo supõe tomar a cruz como o Mestre a tomou, para ser fiel à missão que lhe fora confiada pelo Pai. Do mesmo modo, o profeta Jeremias, mesmo sentindo toda dor que lhe causava a missão de falar em nome de Deus, não consegue afastar-se de Deus e negar sua missão.
A cruz, para Jesus, foi consequência da fidelidade à sua messianidade e, por isso, ela se torna distintivo dos seus seguidores. Portar a cruz ou fazer o sinal da cruz é um modo de testemunhar que somos seguidores de Cristo, mas o sinal externo deve ser consequência de uma adesão interior tão profunda, que nem o perigo de uma cruz verdadeira, instrumento de tortura, se torne capaz de nos afastar de Deus e da missão que nos foi confiada. É essa, em última instância, a exortação do autor da carta aos Romanos.
Ir. Rita Maria Gomes
é natural do Ceará, onde fez seus estudos de Filosofia no Instituto Teológico e Pastoral do Ceará (Itep), atual Faculdade Católica de Fortaleza. Possui graduação, mestrado e doutorado em Teologia pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (Faje), onde lecionou Sagrada Escritura. Atualmente é professora na Universidade Católica de Pernambuco (Unicap). É membro do Instituto Religioso Nova Jerusalém, que tem como carisma o estudo e o ensino da Sagrada Escritura.