Publicado em julho – agosto de 2018 - ano 59 - número 322
As juventudes querem vida
Por Tânia da Silva Mayer
- Juventudes e as interpelações do termo
Falar sobre jovens e juventudes não é tarefa simples. Antes, é adentrar um universo bastante complexo, com chances de incorrer em erros gravíssimos, tanto mais se se propõe alcançar universais para especificar vivências plurais e singulares. O mundo contemporâneo exige, cada vez mais, que os sujeitos das vivências falem por si mesmos, que possuam a linguagem que lhes pertence, a fim de que possam narrar as suas existências. Nesse sentido, toda produção deveria trazer as vozes daqueles que são tema e objeto de interpelação e interrogação. Aqui, compartilhamos a nossa percepção das juventudes na perspectiva de nossa juventude compartilhada com outros e outras jovens brasileiras.
O que é juventude? Quem são os jovens? As respostas a serem dadas a essas perguntas são muitas e podem variar de cultura para cultura. O termo juventude pode sugerir a ideia de um período específico da vida de uma pessoa, compreendendo determinada faixa etária, ou, ainda, pode significar um estado do desenvolvimento humano. No geral, a palavra juventude é utilizada para significar a fase da vida compreendida entre a infância e a vida adulta.
Nesse sentido, a infância está relacionada à ideia de dependência, e a vida adulta à concepção de autonomia. Isso posto, a juventude é o período de transição da dependência para a autonomia: ao mesmo tempo, não se é tão dependente nem se é plenamente autônomo. Em diversas culturas e grupos, os/as jovens são conduzidos aos rituais de passagem, que marcam o início dessa transição. Na contemporaneidade, tal período transitório tem sido impactado pela mudança de paradigma da nossa sociedade.
Para os modernos, a vida adulta significava a saída da casa paterna, o alcance de um emprego que garantisse o sustento e um casamento com consequente maternidade ou paternidade. Na contemporaneidade, o cenário exigido pelos modernos parece não corresponder às experiências cada vez mais comuns nos grupos familiares. Muitos filhos retardam a saída da casa dos pais, tornam-se os provedores primários desses núcleos, que podem contemplar, ou não, a presença de cônjuges e filhos. Não conseguir precisar a vida adulta com base nas configurações sociais promove consequente mudança de paradigma a respeito do que é a juventude e de quem são os/as jovens.
Desse modo, o termo juventude acaba sendo relacionado a um modo de estar na vida e compreendê-la. Não são raras as pessoas de 50 e 60 anos que se consideram jovens, entendendo a palavra como sinônimo de vitalidade. Um fator preponderante para tal percepção diz respeito aos novos índices de expectativa de vida no Brasil. Em média, ela está estimada nos 75 anos. Com o aumento desse índice, uma pessoa que, em épocas passadas, fosse considerada “velha” aos 40 anos já não se compreenderá assim. Aliás, nem ela nem o restante da sociedade a compreenderão dessa maneira. Em boa parte das vezes, ela se sentirá e se denominará um “adulto jovem”. Isso é fomentado, também, pelo sentimento de prolongamento da vida, muito valorizado em nossas sociedades. A concepção de que a vida pode ser prorrogada para além do segundo tempo da existência favorece a ideia de uma juventude que se estende para além da fixação da vida adulta.
A utilização da palavra juventude para significar vitalidade existencial é coerente e interessante. Pressupõe-se que os/as jovens possuam aquela carga vital que movimenta utopias, sonhos e esperanças diante das realidades, muitas vezes duras. Essa postura de valorização do sujeito diante das realidades é positiva. Por outro lado, devemos nos perguntar se essa ideia de juventude, quando assumida massivamente pelas sociedades nas quais se verifica crescente prolongamento da vida, não impede o reconhecimento, a análise e a proposição de ações e políticas para aqueles e aquelas que se encontram numa faixa etária de menor prestígio social. Com isso, não corremos o risco de esquecer e excluir demandas específicas de determinado grupo social?
O livro Brasil: uma visão geográfica e ambiental do início do século XXI (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE – 2016) apresenta dados interessantes a respeito da sociedade brasileira. Uma das pesquisas realizadas contrapõe a ideia de expectativa de vida à de taxa de fecundidade. Enquanto a expectativa de vida aumentou no país, como dissemos acima, a taxa de fecundidade diminuiu de 6,16 filhos por mulher para apenas 1,57 filho, num período de 70 anos. Esses dados corroboram a tese de que o Brasil do futuro será um país idoso, com a maior parte da população localizada nessa faixa da pirâmide etária brasileira. Nesse sentido, a população jovem será minoria, se comparada com o número de pessoas na terceira idade. Além de se ver condicionada a longo período de trabalho – o que indica o projeto do atual governo brasileiro –, essa parcela da sociedade brasileira poderá ter sepultadas suas demandas específicas, tais como acesso à educação e inserção profissional.
É importante destacar que, no Brasil contemporâneo, “são consideradas jovens as pessoas com idade entre 15 (quinze) e 29 (vinte e nove) anos de idade”, segundo o Estatuto da Juventude (EJ, 2013, art. 1º, §1º), sancionado pela presidenta Dilma Rousseff em agosto de 2013. No entanto, esse mesmo estatuto destaca que “aos adolescentes com idade entre 15 (quinze) e 18 (dezoito) anos” se aplica o ECA, o Estatuto da Criança e do Adolescente, e o EJ, excepcionalmente, “quando não conflitar com as normas de proteção integral do adolescente”. O EJ visa especificar os direitos e as políticas públicas destinadas aos jovens, as quais, embora já sejam previstas pela Constituição, devem ser aprofundadas.
O Estatuto da Juventude é um marco importante na afirmação da proteção do Estado aos/às jovens. Ele demarca bem os aspectos constitucionais que devem ser considerados pelas instituições na promoção das juventudes. Nesse sentido, o que se está dizendo é que o estatuto protege o que não era óbvio na sociedade brasileira até poucos anos atrás. Uma vez que a ideia de jovem era associada imediatamente aos estudantes, os/as jovens empobrecidos, os negros, os de baixa renda, as mulheres, os LGBTs, entre outros, não eram alvo de ações afirmativas por parte dos governos e demais instituições, o que revelava que uma parcela do público jovem permanecia excluída de seus direitos.
Abre-se aqui uma percepção interessantíssima. Quando se fala em jovens, percebe-se que estes, malgrado a compreensão de que cada um deles é “sujeito de direitos universais, geracionais e singulares” (EJ, 2013, seção I, art. 2º, IV), estão propensos a formar grupos segmentares baseados em questões relativas às suas vivências. Por isso, compreensões mais universais dizem pouco do mundo dos jovens. O plural é mais acolhedor e corre menos riscos de desconsiderar os sujeitos das vivências. Desse modo, ao tratar do tema da violência e do desejo de viver dos/das jovens na contemporaneidade, o termo mais adequado é o plural “juventudes”.
Com isso, está-se indicando que os jovens brasileiros protegidos pela Lei, conforme a faixa etária indicada, são sujeitos de vivências plurais que exigem ações e tratamentos específicos e diferenciados. Essa percepção pós-moderna leva em conta o caráter das subjetividades agrupadas em experiências comuns, considerando demandas cada vez mais pontuais na relação dos jovens com a sociedade – e com a Igreja – que integram e formam.
- Juventudes e um ano ímpar
O Estatuto da Juventude, sancionado em agosto de 2013, é grande conquista das juventudes brasileiras. Demarcar e garantir direitos são os primeiros passos para a realização da justiça social. Está claro que os jovens precisam ser considerados como sujeitos sociais e políticos com capacidade para exercer a cidadania, elegendo e acompanhando seus representantes e manifestando-se quando as posturas destes não lhes representam.
O mês de junho de 2013 é singular nesse aspecto. Passados quase cinco anos, é impossível nos esquecermos da avalanche de pessoas que foram às ruas mostrar sua indignação pela ausência de representatividade sociopolítica. Sob a ideologia de que “o gigante acordou”, ouvimos uma polifonia de vozes, endereçadas a diversas pessoas, instituições e estruturas. Elas reclamavam direitos, ao mesmo tempo em que diziam que nada nem ninguém lhes representavam. Essas manifestações reuniram a defesa de centenas de causas diferentes, sem que um movimento ou outro lhes subtraíssem determinadas bandeiras. No entanto, a ausência de sistematização e de unidade das vozes mostrou um gigante acordado, porém frágil, por não conseguir propor projetos populares à nação. Dentre as milhares de pessoas que exigiam educação e saúde “padrão Fifa”, destacaram-se sumariamente os/as jovens.
No âmbito eclesial, mundial e brasileiro, muita coisa acontecia naquele ano. O papa Bento XVI havia apresentado sua declaração de renúncia na manhã do dia 11 de fevereiro. Ele afirmava: “Cheguei à certeza de que as minhas forças, devido à idade avançada, já não são idôneas para exercer adequadamente o ministério petrino”, e também: “Para governar a barca de São Pedro e anunciar o evangelho, é necessário também o vigor quer do corpo, quer do espírito”. Indicou-se que o papa Bento se sentia debilitado, por sua idade avançada, para dar seguimento a um ministério que lhe exigia um vigor que é também do corpo. Aventava-se uma contraposição entre o velho e o novo e a necessidade de um papa mais jovial para conduzir a Igreja, a partir do diálogo com nossa complexa realidade.
Em 13 de março de 2013, o papa eleito em conclave foi Jorge Mario Bergoglio, um jesuíta argentino, então cardeal arcebispo de Buenos Aires. Um papa “do fim do mundo” assumiu a liderança da Igreja com o nome de Francisco, com claras referências ao “jovem de Assis”. Não apenas a imagem do novo papa inspirava jovialidade, pelas vestes leves e brancas, pelo sorriso no rosto e pela espontaneidade na fala e nos gestos, mas o próprio nome escolhido indicava jovialidade, vigor e revolução pela via da fraternidade, tal como conservado na memória que se tem de São Francisco de Assis. O papa Francisco, ao longo do seu pontificado, tem confirmado uma eclesiologia jovial, em diálogo com a contemporaneidade, na perspectiva da fraternidade com as criaturas e do vigor no anúncio do evangelho. Seus gestos de gentileza, num mundo carente de bondade, são revolucionários e vão ao encontro do coração das juventudes, que o perceberam como um amigo-irmão de caminhada. Um papa jovial, para os jovens.
No Brasil, a Campanha da Fraternidade (CF) de 2013 tratou do tema “Fraternidade e juventude”, com o lema: “Eis-me aqui, envia-me”. Os setores mais progressistas do catolicismo brasileiro ressaltaram que a CF-2013 deixava a desejar, por não abordar com rigor as questões e os problemas que circundavam o universo juvenil na época. Na apresentação do texto-base, o secretário-geral da CNBB, Leonardo Ulrich Steiner, afirmava que “é jovem não aquele que tem idade nova, mas aquele que tem o vigor de Deus”, deixando incerto, portanto, a respeito de quem estavam falando objetivamente. Ainda na apresentação, a CF era tratada como anúncio da Jornada Mundial da Juventude (JMJ), que aconteceria na cidade do Rio de Janeiro entre os dias 23 e 28 de julho do mesmo ano. À parte as discussões sobre as realidades conflitantes dos/as jovens brasileiros, a CF pareceu constituir mais um marketing para a JMJ, para o sucesso do evento mundial, do que propriamente manifestar um interesse profundo e sensível pelas vivências das juventudes. Assim, como interpelação ao lema da CF-2013, deveríamos nos perguntar ainda hoje: que jovem, para onde, de que jeito, em quais circunstâncias será enviado? Essas perguntas foram respondidas pelas comunidades, paróquias, dioceses ou pelos próprios jovens?
A JMJ foi um evento de massas, momento bastante importante para o despertar da sensibilidade de pertença à Igreja Católica, mas não o despertar para determinada diocese, paróquia ou comunidade de base ou, além disso, para o seguimento radical de Jesus Cristo. Obviamente, não se podem negar as experiências profundas e enriquecedoras que muitos/as jovens vivenciaram ao longo daqueles dias, num efervescente encontro de culturas, linguagens, vidas e religiosidades, tudo com espírito de gratuidade. Esse encontro mundial dos/as jovens, como afirmou Brenda Carranza em entrevista à IHU, consagrou a “cultura gospel católica”, de raiz pentecostal protestante, ao dar a tônica gospel do encontro, que contou com diversos shows conduzidos por padres, cantores católicos e famosos, bandas católicas, internacionais ou nacionais. Nesse sentido, outras expressões religiosas, que não a pentecostal católica, foram eclipsadas pelo que está convencionalmente ligado à Renovação Carismática Católica (RCC): o apelo ao gospel.
Como se pode ver, o ano de 2013 é ímpar no tratamento do tema da juventude, tanto na sociedade como na Igreja. No entanto, não podemos afirmar que, daquele ano até o presente momento, a sociedade e a Igreja tenham dado passos significativos no que tange a ativa e efetiva opção preferencial pelos jovens ou pelas juventudes. É urgente nos perguntarmos pelos frutos que todos esses acontecimentos eclesiais promoveram entre as juventudes brasileiras, para o enfrentamento dos seus problemas sociais, culturais, políticos e eclesiais. Os/as jovens contemporâneos vivem constantemente ameaçados em sua vida, seu corpo e seus direitos. A violência é uma das máquinas que mais eliminam os sonhos, as utopias, os direitos e as vidas.
- Juventudes e violências
A Conferência de Puebla consagrou a opção preferencial pelos pobres e pelos jovens em seu documento final. Revelou-se a preocupação pela situação juvenil na América Latina, em vista do seu histórico de ditaduras e violências. Compreendia-se que a fé, e tudo o que diz respeito à evangelização, não pode estar desvinculada da vida concreta das pessoas, dos seus dramas e desafios. Por isso, ao falar da evangelização da juventude, ou melhor, das juventudes, exige-se longo processo profético de escuta dos/as jovens e de suas experiências de mundo.
Analisando o perfil da juventude brasileira e a sua inserção e participação na sociedade, Novaes e Vital destacam três marcas da juventude da época, a saber: o “medo de sobrar, por causa do desemprego, o medo de morrer precocemente, por causa da violência, e a vida em um mundo conectado, por causa da internet” (NOVAES; VITAL, 2006, p. 112-113). Passados dez anos da publicação desse estudo, após um período áureo de emprego, de acesso às tecnologias da internet, o Brasil pós-agosto de 2016 vê-se ameaçado em suas conquistas. O número de desempregados está em crescimento, e o mercado de trabalho privilegia a mão de obra jovem diplomada no exterior em detrimento das formadas no Brasil. Os/as jovens brasileiros voltam a sentir o medo amargo de sobrar de maneira ainda mais forte, pois se percebem sem trabalho, fora da cadeia de consumidores de bens materiais.
No que tange ao acesso à internet, as juventudes de hoje encontram nas redes um meio para se formar, informar e articular ações de seu interesse. Podemos dizer que há um medo – antropológico? – a atormentar os/as jovens: estar desconectados. Há uma espécie de “habitação” interessante das redes. Por um lado, aproveitam-se as potencialidades delas para a formação de coletividades; por outro, as maldades e violências do mundo real atuam no mundo virtual, fazendo da internet também um mecanismo de mortes.
E por falar em mortes, o Mapa da Violência de 2016 constata o que está sendo percebido há anos: os homicídios por armas de fogo (HAF) no Brasil têm como alvos principais pessoas jovens. A respeito dessa realidade, o sociólogo Julio Jacobo Waiselfisz afirma:
Como vimos constatando desde o primeiro Mapa da Violência, divulgado em 1998, a principal vítima da violência homicida no Brasil é a juventude. Na faixa de 15 a 29 anos de idade, o crescimento da letalidade violenta foi bem mais intenso do que no resto da população. Vemos […] que, no conjunto da população, o número de HAF passou de 6.104, em 1980, para 42.291, em 2014: crescimento de 592,8%. Mas, na faixa jovem, este crescimento foi bem maior: pula de 3.159 HAF, em 1980, para 25.255, em 2014: crescimento de 699,5% (WAISELFISZ, 2016, p. 49).
Os dados são assustadores. Há verdadeiro extermínio de jovens no Brasil. Os homicídios por armas de fogo são as principais causas da mortalidade juvenil em nossa sociedade, respondendo por 58% dos casos. A participação de jovens nesses homicídios também é bastante alta. Esses crimes têm um pico elevado no período dos 20 anos de idade, correspondendo a 67,4 mortes por 100 mil jovens.
Mas não é só isso que deveria nos preocupar. Os homicídios no Brasil não têm apenas faixa etária, têm cor também. Os dados do Mapa da Violência de 2016 apontam uma queda de 26,1% nos homicídios relativos à população branca. Já o número de vítimas negras sofreu um aumento de 46,9%. Essa diferença mostra que grande parcela dos assassinatos cometidos são contra jovens negros, o que também se relaciona à baixa renda. Isso é um retrato claro do racismo e do preconceito arraigados na sociedade brasileira, que mata jovens negros e pobres, justamente aqueles que mais carecem dos direitos que deveriam ser garantidos pelo Estado.
Entre as mulheres, o número de homicídios é menor que entre os homens. No entanto, as mulheres brasileiras vivem num sistema sociocultural e religioso machista, que as violenta física, simbólica, psicológica e moralmente. As mulheres negras, se comparadas às brancas, correspondem ao maior número das vítimas de homicídio. Nesse quesito, o Brasil ocupa o quinto lugar no ranking global de homicídios de mulheres, segundo a ONU. Mais que entre as mulheres brancas, a violência contra as mulheres negras mistura desigualdade de gênero, misoginia e racismo, uma vez que a imagem da negra escrava sexual dos senhores permanece conservada no imaginário popular e é impulsionada midiaticamente.
Outro público de jovens que merece atenção são as pessoas que integram a chamada diversidade sexual. As pessoas LGBTIs são vítimas de violências cotidianas, muitas vezes motivadas por preconceitos de cunho religioso. Os assassinatos de LGBTIs, por crimes de ódio, carecem de uma legislação que os caracterize como tais. Mas não é só isso, os jovens LGBTIs convivem com violências diárias, sobretudo as psicológicas e morais, que os impedem de acessar direitos e viver uma vida plena.
O fator ódio, considerado na violência contra as juventudes LGBTIs, é acrescido de outros fatores, a depender de quais sejam os sujeitos violentados. Uma jovem lésbica negra pobre, moradora da periferia, está mais propensa a ser violentada que outra lésbica em situação oposta. Pesa nesse caso o machismo, a misoginia, o racismo e a desproteção social por ser de classe menos favorecida financeiramente. Com isso estamos dizendo que a violência contra LGBTIs tende a variar, dependendo dos espaços em que tais sujeitos estejam inseridos. Com frequência, esse público não encontra espaço nas comunidades, paróquias e dioceses, o que os leva muitas vezes à exclusão ou à falta de sentido de pertença, uma vez que suas narrativas existenciais são ali rejeitadas e desconsideradas.
Esses públicos merecem não só atenção, mas também zelo pastoral. O enfrentamento da pobreza, bem como do racismo e da discriminação baseada em sexo e gênero, interessa aos seguidores e seguidoras de Jesus, cuja mensagem do Reino é a vida plena e abundante para todos. Por isso, é urgente uma postura profética e destemida das comunidades, paróquias e dioceses na abordagem da violência contra os jovens que compõem esses grupos de riscos sociais. Coisas bonitas já estão acontecendo, mas é preciso avançar na perspectiva da efetiva proposição pastoral, fundamentada no evangelho e atenta aos sinais dos tempos. Por isso, apresentamos a seguir algumas proposições.
- Para pensar e motivar ações
As juventudes pós-modernas se compreendem sem futuro. Elas não são como as modernas, que renunciavam ao presente em vista de um futuro melhor. Os/as jovens modernos guardavam esperanças quanto ao que poderia vir a ser a vida, de modo que abrir mão do presente era necessário para obter o futuro. Nós, jovens de hoje, não temos um futuro, e isso é o que afirma a filósofa Viviane Mosé.
Segundo Mosé, os/as jovens dos nossos dias não têm futuro. Ameaças como o aquecimento global, a fome, a carência de alimentos, a clonagem de órgãos, a escassez de água, as guerras, as migrações globais e o trancamento de fronteiras, o ódio às minorias, o desemprego, entre outras, fazem que a ideia de futuro se torne inconcebível, simplesmente não exista. Para ela, os/as jovens do século XXI não estão dispostos a abrir mão do presente para assumir algo que não existe. Por isso, a ideia de futuro está sempre acompanhada da de construção. É preciso construir o futuro.
Nessa perspectiva, não é de estranhar o fato de que jovens de grupos de minorias (são minorias, numericamente falando?) estejam dispostos a lutar por seus direitos. O movimento de jovens feministas, de jovens negros e negras, de jovens LGBTIs, de jovens sem moradia, o movimento de jovens pela educação (que bravamente ocupam espaços e protestam contra o roubo de um ensino público de qualidade), entre outros, militam para que suas demandas sejam acolhidas e respeitadas. O que fundamenta todas as bandeiras é a luta pelo direito ao futuro, pela sua construção. É importante ressaltar que essas lutas são legítimas em uma sociedade que trata com indiferença e diferença os que não têm dinheiro nem seguem os padrões estabelecidos pelos grupos de poder.
Os cenários eclesiais brasileiros são muitos, mas, a partir dos anos 1990, os movimentos, grupos e pastorais, bem como as comunidades de base, foram eclipsados pela RCC e sua forte capacidade de presença no rádio e na televisão. Estar eclipsado não significa ter deixado de existir. Antes, significa ter sido invisibilizado pelas conveniências eclesiais, nem sempre evangélicas. Por isso, a Pastoral da Juventude, sempre interessada, preocupada e propositiva no enfrentamento dos problemas que acometem os/as jovens, encontra bastante resistência na maioria dos cenários eclesiais em que está ou procura inserir-se. Com isso, pautas relevantes, como a erradicação da violência contra jovens, são pouco abordadas por grupos de jovens, comunidades, paróquias e dioceses.
É urgente uma postura profética da Igreja, dos cristãos e das cristãs, que vá ao encontro do que a Conferência de Puebla sinalizava entre suas muitas demandas: uma opção preferencial pelos jovens e pelas jovens. Para isso, é necessário que se cumpra o que pretendia a CNBB, com referência à participação eclesial dos/as jovens: “trata-se de valorizar a participação dos jovens nos conselhos, reuniões de grupo, assembleias, equipes, processo de avaliação e planejamento” (CNBB, Doc. 85, n. 76). Mas não é só isso. As comunidades, paróquias e dioceses precisam ouvir os jovens, acolher suas vivências, percebendo-os como sujeitos que, apesar de estarem em formação, têm capacidade de colaborar com a Igreja e a sociedade.
A carta do papa Francisco aos jovens, por ocasião da apresentação do documento preparatório da XV Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos, anima as juventudes a acolher o convite do Senhor para ir e promover uma “terra nova”, “uma sociedade mais justa e fraterna”. Nesse sentido, é pertinente o espírito que parece motivar a Igreja a escutar o grito das juventudes: “Aquele grito nasce do vosso coração jovem, que não suporta a injustiça e não pode inclinar-se à cultura do descarte, nem ceder à globalização da indiferença”. O sínodo é uma oportunidade para ouvi-las – não um ouvir paternalista, como é praxe no meio eclesial, mas como quem está disposto a dialogar sobre a fé e a vida daqueles que são ou podem vir a ser seguidores e seguidoras de Jesus, empenhados em comunicar ao mundo a alegria do evangelho.
Da parte da Igreja, são necessários também um empenho maior e a provocação de debates eclesiais, com a presença da sociedade civil e de entidades, centros e institutos de juventudes, que proponham campanhas, ações afirmativas e projetos populares para a garantia da vida das juventudes brasileiras. A nota contrária à redução da maioridade penal é um posicionamento profético da Igreja no Brasil que acredita nos/as jovens e adolescentes, bem como na sua recuperação humana e social.
Os cristãos e as cristãs podem contribuir ainda mais para as causas juvenis na proposição de fóruns, conferências, rodas de conversa, mesas de debates, com ampla divulgação nos meios de comunicação católica. Defender os/as jovens, para além de uma ideia romanceada e da sua reunião em eventos de massa, é um dever urgente de quem está conectado ao coração de Jesus, pois “todas as vezes que fizestes a um destes menores, que são meus irmãos, foi a mim que o fizestes” (Mt 25,40).
Bibliografia
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CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL. Evangelização da juventude: desafios e perspectivas pastorais. São Paulo: Paulinas, 2007 (Documentos da CNBB, 85).
LIBÂNIO, J. B. Para onde vai a juventude? – Reflexões pastorais. São Paulo: Paulus, 2011.
NOVAES, R.; VITAL, C. A juventude de hoje: (re)invenção da participação social. In: THOMPSON, Andrés A. (Org.). Associando-se à juventude para construir o futuro. São Paulo: Peirópolis, 2006.
PAPA FRANCISCO; SÍNODO DOS BISPOS. Os jovens, a fé e o discernimento vocacional: documento preparatório da XV Assembleia do Sínodo dos Bispos. São Paulo: Paulus, 2017.
WAISELFISZ, J. J. Mapa da violência 2016: homicídios por armas de fogo no Brasil. Rio de Janeiro: Flacso Brasil, 2016.
Tânia da Silva Mayer
Tânia da Silva Mayer é mestra e bacharela em Teologia pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (Faje). Graduanda em Letras pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). É articulista do Portal Dom Total, no qual escreve às terças-feiras.E-mail: [email protected]