Carta do editor

maio-junho de 2010

Graça e Paz!

Algumas semanas antes do fechamento desta edição ocorreu a tragédia no Haiti, a qual ceifou a vida de dezenas de milhares de haitianos e na qual veio a falecer a dra. Zilda Arns, durante ato relacionado à grandiosa missão que desenvolveu ao longo de mais de 26 anos à frente da Pastoral da Criança, fundada por ela.

O terremoto chamou a atenção da comunidade internacional para a tragédia permanente em que vive o país: a pobreza. Lembramos que há alguns anos, quando se iniciou a missão brasileira por lá, vários dos países mais ricos do globo e a ONU prometeram fundos para a reestruturação nacional. Entretanto, isso, em grande parte, ficou apenas na promessa, ao passo que escandalosas somas foram direcionadas para a guerra no Iraque.

No Haiti, a pobreza, que amplia os efeitos da catástrofe geológica, não subsiste por acaso. O país é vítima de séculos de domínio europeu e estadunidense. Inicialmente foram os espanhóis, que dizimaram e escravizaram grande parte da população nativa; depois os franceses, que ali tiveram uma das suas mais prósperas colônias. Em 1794, o Haiti tornou-se o primeiro país do mundo a abolir a escravidão, por meio de uma revolta de escravos, embora muitas enciclopédias e livros de história digam que o primeiro país a abolir a escravidão tenha sido a Inglaterra. Como forma de retaliação, em 1804, Estados Unidos e Europa passaram a submeter o país a bloqueio comercial, que durou 60 anos. Ao final deste período, cercado por frota de navios da ex-metrópole, o Haiti foi forçado a pagar 150 milhões de francos a título de indenização, o que exauriu sua economia. Posteriormente, foi invadido por tropas estadunidenses em duas ocasiões. Também sofreu sob ditadura apoiada pelos EUA, na qual a oposição foi exterminada e a Igreja católica perseguida.

Tendo presente essa difícil realidade, aumenta ainda mais nosso carinho e gratidão para com dona Zilda, que foi àquele país levar o alento da Pastoral da Criança, cuja atuação tem salvado e dignificado a vida de tantas crianças e mães em mais de 40 mil comunidades do Brasil e já se expandiu para diversos outros países. Queremos render-lhe nossa homenagem e agradecer-lhe seu testemunho de fé cristã que chega a resultados concretos. Ela também nos deu testemunho de que a mulher, quando encontra abertura e oportunidade, pode fazer muito pela Igreja. Foi líder de um batalhão de voluntárias da Pastoral da Criança, mensageiras do evangelho da vida e construtoras do reino de Deus.

Todos lamentamos sua morte, mas o comentário de seu irmão, dom Paulo Evaristo Arns, aponta-nos o sentido profundo de sua partida: “Teve uma morte bonita, pois estava defendendo o que acreditava”. Recordamos também a afirmação dos padres do período patrístico: “O sangue dos mártires é semente de novos cristãos”. Se a vida é compreendida e experienciada de maneira não egoísta, aberta a Deus e ao próximo, reveste-se de pleno sentido, mesmo após o fim da experiência terrena. Com certeza o testemunho de dona Zilda continuará sendo semente que dará muitos frutos à Igreja e à humanidade, particularmente à Pastoral da Criança. Que todos nós possamos também dar nosso testemunho de fé cristã comprometida com a transformação da realidade.

 

Pe. Jakson Ferreira de Alencar, ssp

Editor