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Publicado em março-abril de 2016 - ano 57 - número 308

A eficácia da misericórdia

Por Luiz Alexandre Solano Rossi

A misericórdia exige a aproximação; somos sempre misericordiosos em relação a alguém; no isolamento enclausuramos a misericórdia e acrisolamos a própria vida. Todas as vezes que não caminhamos misericordiosamente em direção às pessoas estamos, na verdade, sonegando a elas porção generosa da misericórdia de Deus.

Introdução

Vivemos num mundo que é marcado por feridas abertas que tendem a afetar a todos. Ninguém está imune numa sociedade repleta de predadores sociais. Vivemos num ambiente tão competitivo que nos leva a perceber o outro como um competidor que deve ser vencido; deixamos de olhar aqueles (as) que estão ao nosso redor como se fossem irmãos, e presumimos que sejam nossos adversários. E diante de adversários, a única arma possível seria partir para o ataque. Como viver num ambiente em que nos movemos pelo medo de ser surpreendido por um ataque? Como gerar misericórdia numa sociedade que respira violência?

Duas expressões, entre tantas, se sobressaem, na Bula de proclamação do Jubileu Extraordinário da Misericórdia: “um programa de vida” e “estilo de vida” (MV, n. 13). Faço destaque a fim de salientar que a misericórdia deveria ser entendida como se fosse uma segunda pele do cristão. No entanto, somos mais ágeis na arte de condenar e criticar as pessoas do que na arte da misericórdia. Gastamos em uma e economizamos na outra. Até parece que falta espaço para prática da misericórdia em nossa agenda.

  1. Profetismo e conversão para a misericórdia

A única possível resposta à pergunta inicial que posso encontrar na literatura bíblica pode ser resumida numa expressão: conversão. De uma cultura de violência e de agressões, deveríamos nos converter a uma cultura de misericórdia. Porém, certa atenção é necessária: toda conversão deveria ser vista, simultaneamente, como pessoal e comunitária. É possível dizer que foram especialmente os profetas que convocaram o povo de Deus à conversão. Ao lermos Amós 5,14-15, Isaías 1,16-17 e Oseias 10,12 e 12,7, ficamos com a nítida impressão de que a conversão não se limita à esfera privada. Ao romper com os limites da esfera privada, a conversão nos leva a uma decisão que tem implicações políticas e econômicas. Talvez pudéssemos dizer que a fé possui uma função pública. Afinal, não somos chamados a viver dentro de quatro paredes e, dessa forma, isolados de tudo e de todos. O espaço por excelência do exercício da fé se encontra na realidade do cotidiano.

Os profetas acreditavam que tudo na vida, inclusive as instituições públicas, poderiam ser orientadas de tal forma que servissem aos objetivos de Deus, com quem Israel havia selado uma aliança. A vida transformada de Israel, diferentemente dos valores que imperavam ao seu redor, centrava-se na justiça, na virtude e na constância do amor, ou seja, numa organização que transcendia a egolatria. Os profetas faziam um radical chamado ao povo de Deus para que vivesse sua vida, tanto pessoal quanto coletiva, em consonância com os objetivos de propiciar justiça, fraternidade, solidariedade e misericórdia.

Um profeta posterior aos já citados, Joel (2,12-13), faz, por sua vez, uma convocação radical para a conversão. No entanto, para ele não bastava mudar unicamente a aparência externa: era necessário converter o coração. Mas vale lembrar que o coração não deve ser interpretado simplesmente como uma experiência interior. Na Bíblia, o coração representa o órgão responsável por tomar decisões e determinar a orientação da vida. O profeta Joel refuta, portanto, tanto uma mudança meramente externa (as vestes) quanto uma mudança meramente interna, que não leve a nenhuma consequência visível.

Sicre (1990, p. 126-127) acentua que a vocação do profeta era uma relação eu-tu-eles. “O profeta não é eleito para gozar de Deus, mas para cumprir uma missão em relação ao povo”. Uma função direcionada especificamente para a sociedade. Numa experiência inserida na relação Deus, profeta e sociedade em que vive, o profeta anunciava um Deus comprometido com a história, que amava a justiça, pai dos órfãos, aquele que protegia as viúvas, senhor soberano de toda a natureza e que possuía o controle da vida e da morte. Deus está presente na história para provocar nossa existência a sair de si mesma. A face de Deus que se revela em Jesus Cristo é um rosto totalmente voltado para o ser humano. Por isso, ao invés de nos inclinarmos sobre o rosto do filho de Deus, deveríamos procurar o rosto dos seres humanos e amá-los com amor intenso. Contrariamente ao que muitos pensam, não precisamos nos encontrar com Deus negando o mundo e a sua história. Encontramos com Jesus justamente no mundo.

Os profetas não se relacionavam com situações abstratas. Diante deles se encontravam uma série de problemas concretos. Eles denunciavam a pobreza como um mal, como resultado da injustiça praticada pelos poderosos. O pobre se torna não somente sujeito, mas também um lugar teológico. A partir do critério utilizado pelos profetas, não é possível aceitar a pobreza, a violência e a injustiça que a gera. Dessa forma, eles acabaram por demonstrar que a pobreza e a violência não eram o resultado do destino ou da vontade de Deus. Basicamente entenderam que era consequência da ação daqueles que estavam denunciando. Não há espaço na teologia dos profetas para aquilo que chamo de naturalização da pobreza e da violência. Penso que os textos bíblicos, em sua grande e maior extensão, para falar de Deus se expressam através da vida das pessoas. Somente encontramos Deus no outro! Não se encontra e não se conhece o Deus bíblico sem a intermediação do pobre e na história do pobre.

Sendo assim, duas questões saltam em importância, a fim de se refletir: a primeira delas é o conceito de história e a segunda, o conceito de pobre. O primeiro faz com que historicizemos a fé, ou seja, vive-se a fé para dentro da história, a fim de transformá-la, e não a negando ou desejando ardentemente abandoná-la; o segundo nos leva a compreender que é a partir do encontro com os pobres, da solidariedade com eles e da vida construída a partir da justiça que nos humanizamos e alcançamos a salvação. É inevitável pensarmos o papel da Igreja em meio a essa situação. Quero me valer de um belíssimo texto de Bonino (1975, p. 44) por causa de sua fluidez e exemplaridade, e que reafirma que a autenticidade da mensagem evangélica está, de fato, ligada à maneira pela qual ela se relaciona com o tema da pobreza:

[…] a Igreja não se identifica a si mesma entre os pobres. Reconhece os pobres como uma parte muito importante do mundo, mas a Igreja não se reconhece a si mesma entre os pobres e os pobres não reconhecem a presença de Cristo na Igreja. Esta é uma situação de identidade perdida, de autoalienação para a Igreja. Uma situação em que a Igreja não é totalmente Igreja. E a Igreja que não é a Igreja dos pobres coloca em séria suspeita seu caráter eclesiástico.

É significativo o uso que Jesus faz do texto do profeta Oseias (que lembra também Provérbios 21,14). É possível compreender que, para Jesus, mais importante é a ação que preserva a dignidade da pessoa, e não possíveis atividades para Deus. A importância para Jesus recai no primado da misericórdia. Afinal, tudo quanto fazemos para os pequeninos é a ele que fazemos. Observa-se, portanto, que a prática da misericórdia com o pobre é também conhecimento de Deus (o profeta Oseias apresenta a mesma chave de leitura em 4,1 (“Ouçam a palavra de Javé, filhos de Israel! Javé abre um processo contra os moradores do país, pois não há mais fidelidade, nem amor, nem conhecimento de Deus no país”), em 6,6 (“Pois eu quero amor, e não sacrifícios, conhecimento de Deus mais do que holocaustos”) e em 8,2-3 (“Eles gritam: ‘Deus de Israel, nós te conhecemos!’ No entanto, Israel recusou o bem, e o inimigo o perseguirá”).

Ide aprender o que significa: Prefiro a misericórdia ao sacrifício. Porque não vim chamar os justos, mas os pecadores (Mt 9,13) Eu quero misericórdia e não os sacrifícios (Os 6,6). Para Javé, a prática da justiça e do direito vale mais que os sacrifícios (Pv 21,14)
  1. A radicalidade do desafio de Jesus

Com a frase “mas eu digo a vocês, que estão me escutando”, Lucas inicia uma nova seção no discurso (6,27-36). Estamos diante de uma frase de extrema importância porque, de certa forma, ela ressoa nos versos 18 e 47. Para Lucas, escutar e transformar parecem como irmãos siameses que não podem ser separados. O imperativo de Jesus é dirigido a todos quantos ouvem – tanto no passado quanto no presente − a sua voz. O discípulo tem o dever, portanto, de estar bem atento à palavra de Deus. E escutar não é fácil, principalmente as palavras de Jesus, que exigem transformação. Não é possível ouvir Jesus e continuar do mesmo modo.

            “Amai os vossos inimigos” está sintetizado nos versos 27 e 28 e encerram 4 mandamentos de Jesus: amar, fazer o bem, bendizer, orar. Devemos nos lembrar de que em 6,22 são descritos 4 ultrajes. Nesse sentido, o autor do texto cria um belo equilíbrio. Encontramos praticidade nas palavras/conselhos. Não é suficiente ser um ótimo teórico. O primeiro mandamento, por exemplo, amar os inimigos – não se encontra isolado e de forma absoluta. Afinal, se assim fosse poderíamos até mesmo perguntar: mas como? De que maneira deveríamos amar? Não basta saber o que fazer, é necessário saber fazer e, por isso, a práxis da misericórdia é apresentada da seguinte maneira: fazendo o bem, bendizendo e orando. Não há dúvida de que o verdadeiro discípulo de Jesus somente se revela na prática. A intuição de Bovon (1995, p. 445) é espetacular: “quando amamos a nossos inimigos, eles deixam de ser nossos inimigos”.

            Jesus intima seus seguidores a dar testemunho da abertura mais radicalmente humana e do mais vivo interesse pelos próprios inimigos. Exige, portanto, de seus discípulos algo que vai muito mais além das relações costumeiras e cordiais do dia a dia. Exige, por isso, uma benevolência ativa, desinteressada e extraordinária justamente com as pessoas que se apresentam como seus oponentes. Afinal, todos esperariam relações e expressões de carinho e de amor entre membros da mesma família e entre marido e mulher. Jesus nos ajuda a ver para além das fronteiras que criamos para que outras pessoas não possam entrar e nos incomodar. Barreiras que impedem outros de viver não são criações apenas de países ricos na tentativa de impedir todos aqueles que, segundo a mentalidade e política imperial, são inapropriados e indignos de viver junto. Barreiras também são construídas por cada ser humano quando ele não é capaz de misericordiosamente romper com os fantasmas que o assombram. No entanto, a exigência de Jesus não é abusiva. Ele é o reflexo mais cristalino da realidade divina: “tudo nele fala de misericórdia. Nele, nada há que seja desprovido de compaixão” (MV, n. 8).

            “Façam o bem a quem odeia vocês”, “bendizei os que os maldizem” são expressões que causam estremecimento e pavor em nossos corpos. Exigem muito mais do que pensávamos. Certamente o caminho do discipulado não é tão fácil como imaginávamos. Um caminho que se apresenta contracultural e que procura mudar não somente as relações que temos e mantemos uns com os outros, mas, principal e primeiramente, mudar essencialmente quem somos.

            A regra dos essênios em Qunram, por exemplo, aconselhava a bendizer tão somente os membros da própria comunidade – que eram chamados de filhos da luz – e maldizer todos aqueles que não faziam parte do grupo ou que ainda haviam abandonado o grupo – chamados de filhos das trevas.  Uma sociedade dividida, portanto, entre os que eram e os que não eram; entre os que tinham direito e os que não tinham; uma sociedade dividida entre os de dentro e os de fora; para uns havia a benção e para os outros – todos os outros – restava apenas a maldição. Nessa sociedade dominada por fronteiras, o outro será sempre nosso mortal inimigo. Nesse mundo, a misericórdia estará sempre do lado de fora dos muros!

            As palavras de Jesus devem sempre ser lidas em contraste e inculcam uma atitude diametralmente oposta. Fitzmeyer (1987, p. 611) afirma que “não basta a aceitação passiva da maldição pronunciada pelo inimigo; é preciso responder com uma atuação positiva de benção”. Encontramos eco desse tipo de comportamento requerido por Jesus em outros textos da Bíblia: Rm 12,14; 1Cor 4,12; 1Pd 2,23.

            Os mandamentos dos versos 29 e 30 desconstroem e deslegitimam a velha regra de Talião (Ex 21,24; Lv 24,30; Dt 19,21). Já o verso 30 – “a todo que lhe pede, dá” – é uma verdadeira chamada à renúncia ao próprio interesse, e não admite restrições (Fitzmeyer, p. 613). Perante a necessidade de uma pessoa, o discípulo de Jesus não pode adotar uma atitude de reserva interessada. Mesmo num texto muito antigo como esse é possível verificar como ele lança luzes sobre a nossa realidade. Afinal, como viver o princípio da misericórdia numa sociedade que nos ensina a consumir e a acumular cada vez mais? Parece que a expressão “renúncia” não costuma fazer parte do vocabulário do cristão. No melhor dos cenários, iremos dar a partir do momento em que tivermos o suficiente. Mas como corremos cada vez mais atrás do que é supérfluo, o suficiente jamais se apresenta e, com isso, jamais temos alguma coisa para renunciar.

            Nos versos 31 e 35, estamos diante de uma fórmula de reciprocidade. “Tratem as pessoas como vocês gostariam que elas tratem vocês” é uma formulação de Lucas da chamada regra de ouro (cf. Mt 7,12). Mas não podemos pensar em mera reciprocidade. O amar a si mesmo não deve ser a única e suprema pauta de comportamento para o discípulo; esse é de fato o conteúdo implícito da máxima. Assim, a tríplice manifestação do serviço traduzida nas palavras “amai, ajudai e emprestai” resume o serviço que supera os limites de uma resposta de contornos apenas recíproca.

            O itinerário chega ao seu ápice no verso 36. A fórmula de Lucas, diferentemente daquela de Mateus (5,48: “sejam perfeitos”), radicaliza a máxima ao colocá-la no imperativo, ou seja, um mandato, ao mesmo tempo em que a expressa em termos de misericórdia. Lucas provavelmente traz uma ressonância de Lv 19,2: “Sede santos, porque eu, o Senhor, vosso Deus, sou Santo”. Propõe-se uma imitação de Deus e, precisamente, de uma qualidade que, no Antigo Testamento, se atribui frequentemente a Deus. E, de acordo com Fitzmeyer (1995, p. 617), em todo o Antigo Testamento jamais se aplica o adjetivo “perfeito” ou seu sinônimo “imperfeito”; porém, se diz que Ele é misericordioso (Ex 34,6; Dt 4,31; Jl 2,13; Jn 4,2).

O verso 36 se apresenta como aquele que anula as armas da violência, pois resume a eficácia da misericórdia. Trata-se do final de um itinerário. Vejamos:

Amar Inimigos
Fazer o bem Odiar
Falar bem Falar mal
Rezar Caluniar
Oferecer a face Bater na face
Entregar a túnica Tirar o manto
Dar algo Pedir algo
Não pedir de volta Pegar o que não é seu

Numa única expressão, é possível perceber a necessidade de quebrar com a espiral de violência a partir de gestos concretos que anulem e inviabilizem a cultura da violência. Um texto que mostra um ideal a ser alcançado, ou seja, as relações do cotidiano precisam ser permeadas de misericórdia. E a fonte dessa misericórdia se encontra unicamente em Deus e, por isso, precisamos imitá-lo. Por causa dele, a misericórdia será sempre maior do que qualquer pecado e, consequentemente, ninguém terá condições de colocar um limite ao amor de Deus que perdoa. Devemos pensar sempre que os limites se encontram no ser humano que deseja construir fronteiras que o separem de todos quantos ele considera pecador, impuro e inconveniente. Todavia, essas fronteiras são criadas pelo próprio ser humano, e não por Deus. Limites são artificiais e o amor misericordioso, divino.

A que distância nos encontramos da misericórdia? Possivelmente ela se tornou um produto raro em nossos dias. A convocação do ano da misericórdia, pelo Santo Padre, pode muito bem ser uma confirmação desse distanciamento. Quando nos afastamos demasiadamente daquilo que deveria fazer parte da nossa vida – “misericórdia é a lei fundamental que mora no coração de cada pessoa” (MV, n. 2) −, é necessário que alguém indique a direção a seguir a fim de retomar o caminho. A impressão primeira que fica é que nos tornamos uma igreja e discípulos de Jesus com muita teoria e pouca prática. Se Jesus Cristo é o rosto da misericórdia e revelador da misericórdia do Pai, qual a distância que nos encontramos de Jesus? E, não menos importante, qual a distância em que nos encontramos uns dos outros? Principalmente daqueles mais fragilizados?

            Misericórdia exige atitude. É sempre algo mais do que o discurso. Na verdade, as pessoas já não querem mais nossas palavras; elas desejam pessoas que sejam sinal eficaz do agir de Deus. Pelos frutos seremos conhecidos, e não pelos nossos belos discursos. Somente se em nossa prática refletirmos a ação de Deus é que poderemos ser considerados eficazes. Muitos discursos possuem uma bela estrutura, mas não apresentam conteúdo. Claro está que a misericórdia não é algo que se inicia e finaliza em Deus; não é algo exclusivo de Deus e limitado a apenas sua ação. Não somente Deus age de forma misericordiosa. A misericórdia há de se tornar o critério por excelência para indicar quem são os verdadeiros filhos de Deus, assim como também o critério de credibilidade da nossa fé. E segundo Stoger (1979, p. 198), “é misericordioso aquele que se deixa afetar pela miséria do homem, aquele que está aberto à necessidade alheia e presta ajuda onde se encontra alguém oprimido por um peso”.

            A misericórdia de Deus é expressa em gestos concretos e sempre prevalece sobre um possível ideário de destruição. Portanto, não é uma ideia abstrata. A misericórdia se insere no cotidiano e, a partir do cotidiano, revela a face de Deus. Por isso, o refrão do Salmo 136 – “eterna é a sua misericórdia” – que acompanha a narração da história da revelação de Deus na vida do povo do Antigo Testamento, é um convite para integrarmos a misericórdia de Deus também em nossa história.

Conclusão

Dom Oscar Romero disse, em 04/12/1977, de forma acertada: “uma religião de missa dominical, mas de semanas injustas, não agrada ao Deus da vida. Uma religião de muita reza, mas de hipocrisias no coração, não é cristã. Uma igreja que instala só para estar bem, para ter muito dinheiro, muita comodidade, porém que não ouve os clamores das injustiças, não é verdadeira igreja de nosso Divino Redentor”. Uma fé que se estabelece de forma pública e que procura, exatamente por isso, se afirmar como uma contracultura (sociedade alternativa) a um ambiente marcado por relações econômicas e políticas predatórias. Mutualidade e relações não predatórias configurariam uma nova forma de ordenamento social, bem como de vivência da fé. A injustiça não é sagrada. Os fragilizados passam a ser percebidos como resíduos e, com isso, perdem até mesmo sua condição humana. Se vivemos uma cultura da indiferença e nos tornamos incapazes de nos compadecer e de ouvir os clamores dos pobres, se o drama deles já não extrai lágrima de nossos olhos, se evitamos caminhar na mesma rua que eles, jamais podemos nos esquecer de que Deus ouve o clamor dos pobres.

            Mas, entre a simultaneidade de conversões, isto é, interna e externa, quais poderiam ser os sinais eficazes da misericórdia de Deus?

– Uma ação pastoral permeada de ternura;

– Consciência de ser instrumento de perdão;

– Atitude proativa para não se deixar cair na indiferença;

– Atenção às necessidades das pessoas;

– Uma compreensão de que Jesus jamais olhou primeiramente para o pecado das pessoas, e sim para o seu sofrimento.

Bibliografia

BONINO, J. M. The Struggle of the Poor and Church. Ecumenical Review. Vol. XXVII, n. 1, p. 44, jan. 1975.

BOVON, F. El Evangelio segun Lucas. Lc 1-9. Vol. 1. Salamanca: Sigueme, 1995

FITZMEYER, J. A. El Evangelio segun Lucas. Vol. II. Traduccion y Comentario. Capítulos 1-8,21. Madri: Cristiandad, 1987.

PAPA FRANCISCO. Misericordiae Vultus. O rosto da misericórdia. Bula de proclamação do jubileu extraordinário da misericórdia. São Paulo: Paulinas, 2015.

SICRE, J. L. Justiça social nos profetas. São Paulo: Paulinas, 1990.

STOGER, A. El Evangelio segun Lucas. Vol. 1. Barcelona: Herder, 1979.

Luiz Alexandre Solano Rossi

Doutor em Ciências da Religião pela UMESP e pós-doutor em História Antiga pela UNICAMP e em Teologia pelo Fuller Theological Seminary. É professor no mestrado e doutorado em Teologia da PUCPR e coordenador da graduação em Teologia da PUCPR. E-mail: [email protected]