Caros leitores e leitoras,
Graça e paz!
É um desafio para a Igreja e para a pastoral – que é sua ação concreta – conciliar os ideais das “verdades eternas e imutáveis” com as realidades concretas que se apresentam na vida. Há ideias e regras da Igreja comumente vistas por seus próprios membros (e, mais ainda, por quem olha de fora com certo ceticismo) como distantes da realidade. Muitas regras e ideais, a própria Igreja tem dificuldade de alcançá-las minimamente. Por exemplo, como cumprir o mandamento da participação na eucaristia aos domingos nas comunidades sem sacerdote, ainda mais quando um número imenso delas tem missa uma ou duas vezes por ano, se tanto? Há alguns anos se proibiu o sacramento da reconciliação penitencial com absolvição comunitária, sendo prescrita sua administração apenas por meio da confissão individual, como determina o Código de Direito Canônico. Mas como proceder se faltam padres até para celebrar a eucaristia uma vez por ano em tantos lugares? Salvo raras exceções, até mesmo onde há mais padres, verifica-se enorme dificuldade em atender às necessidades dos fiéis que seguem a estrita observância das regras e mandamentos. Aí se entrevê, por exemplo, o rigor da noção de que a falta à eucaristia aos domingos é “pecado mortal” que exige a confissão para a participação do fiel à comunhão.
Há questões maiores também, algumas das quais são temas de reflexão nos artigos desta edição. Como exemplo, a família e a exclusão da comunhão dos casais em segunda união, tema sobre o qual o papa Francisco vem convidando toda a Igreja à reflexão, até por meio de um sínodo. A Igreja continua trabalhando com o modelo de família, composta de pai, mãe e filhos, mas a realidade se nos apresenta de maneira muito diversificada. Por exemplo, no caso do Brasil, o censo do IBGE de 2010 indica que a maioria das formas familiares é monoparental, chefiada por mulheres (IBGE, 2010). Um contingente enorme de pessoas é assolado por sentimentos de exclusão, de indignidade, de condenação e – no caso daquelas em segunda união – de sofrimento, para além do sofrimento já experimentado com o fracasso do matrimônio. Sem abrir mão dos ideais e do princípio da Verdade, é preciso cultivar uma sensibilidade pastoral maior, como tem convidado o papa, e também usar o princípio da misericórdia, como sugere Pe. Wladimir Porreca, estudioso do tema há anos, em seu artigo a seguir.
Quanto à vida consagrada, também tema de um dos artigos desta edição, o esvaziamento, o declínio das vocações, o clima de desânimo no ar não refletem também um distanciamento da realidade? No artigo a seguir, Pe. Nicolau Bakker discute o questionamento feito por uma corrente intelectual atual sobre as religiões institucionalizadas, aplicando-o também à vida consagrada: essas formas, ao invés de promover a espiritualidade, não a estariam abafando?
Outra postura que tem aparecido com força, sobretudo nos segmentos mais conservadores da Igreja, é tratar as questões de gênero presentes no mundo de hoje apenas como uma ideologia, a tal “ideologia de gênero” (tema não tratado nesta edição de Vida Pastoral, mas objeto de reflexão em uma das edições de 2014). Esse enfoque parece deixar de lado a evolução que houve no estudo dessas questões no âmbito das ciências humanas, sociais e, também, biológicas, médicas e, inclusive, na teologia.
Diante desses e de tantos outros desafios eclesiais e pastorais contemporâneos, o papa Francisco faz à Igreja um convite não ao desânimo e ao fechamento, mas à superação da autorreferencialidade e à celebração da “cultura do encontro”. O encontro com o mundo de hoje significa dialogar e interagir com tais realidades, sem a pretensão de simplesmente transmitir informações e ensinar, mas buscando também receber e aprender.
Pe. Jakson Alencar, ssp
Editor