Roteiros homiléticos
A CADA MOMENTO TOCAMOS O FINAL DOS TEMPOS
INTRODUÇÃO GERAL
O tema central do domingo de hoje é a consumação da história, com a parúsia do Senhor. Essa consumação é preanunciada no livro de Daniel, ao descrever o fim dos tempos e a ressurreição que então terá lugar. O Senhor que virá cheio de glória é aquele que, na cruz, ofereceu-se como vítima e sacrifício uma vez para sempre.
COMENTÁRIOS ÀS LEITURAS
1. I leitura (Dn 12,1-3)
O texto de Dn 12,1-3 dá continuidade ao capítulo 11 e particularmente aos v. 40-45, que descrevem o “tempo do fim” (11,40), onde se entrevê a morte do rei Antíoco IV, que procurou impor a cultura e a religião pagãs ao povo judeu. É a esse tempo que se refere o início do nosso texto de hoje: “Naquele tempo...” (12,1).
Será um tempo de angústia máxima, onde só se pode esperar uma saída por uma intervenção decisiva de Deus. Miguel aparece com a função de protetor, ou de advogado do povo de Deus, ou ainda de juiz que, como instrumento de Deus, impõe a justiça. A intervenção de Deus livra o povo da angústia, que, sendo em primeiro lugar a aniquilação do rei estrangeiro, se alarga numa dimensão mais ampla, pois se trata de uma intervenção que diz respeito também àqueles que já morreram. O agir de Deus alcança mesmo os que já não são parte ativa dessa história.
Os que serão libertados da angústia são aqueles que estão inscritos no “livro”. A ideia de um livro onde estão escritos os atos dos seres humanos ocorre em outros lugares na Bíblia (cf. Ex 32,32-33; Ml 3,16; Sl 68/69,29). Os que estão inscritos serão liberados da angústia: são os membros da comunidade da aliança, que permaneceram fiéis a Deus apesar das tribulações e perseguições; são os justos que ainda não morreram, mas que, com os justos que ressuscitarão (v. 2), também receberão a vida eterna.
A esse tempo final pertence também a ressurreição. Não se trata aqui da ressurreição universal (o texto diz literalmente “muitos dentre os que”), mas da ressurreição dos sábios e dos ímpios. Eles receberão destinos diferentes: a vida eterna, a ignomínia eterna.
Os “sábios” (maśkîlîm) são os prudentes, os que julgam retamente. Esse termo adquiriu também a conotação de “aquele que tem êxito, que prospera”. Eles são aqueles que conduzem muitos para a justiça (literalmente: tornam [outros] justos), que caem pela espada e pelo fogo e são purificados (cf. 11,33-35). Esse fato e ainda a presença de três termos (v. 2) – “sábio” ou “o que tem êxito”; “muitos”; “tornar justo” – fazem uma ponte de nosso texto com o quarto cântico do Servo Sofredor (Is 52,13-53,12), que morre, mas que “terá êxito” (Is 52,13) e tornará justos muitos (53,11). Assim sendo, os sábios de Dn 12 têm uma função para com o povo que é de certa forma paralela à do Servo sofredor de Isaías. Mas, em Isaías, o servo torna justos muitos em virtude de seu sacrifício expiatório (cf. Is 53,5-6.10-11); em Daniel, os sábios tornam justos muitos em virtude de seu ensinamento.
Muitas vezes, os sábios são identificados com os “piedosos” (hassidîm). Estes, porém, chegaram a formar, na época do livro de Daniel, um grupo militante armado (cf. 1Mc 2,14), liderado por Judas Macabeu (cf. 2Mc 14,6). Os sábios de nosso texto, todavia, são aqueles que renunciaram a meios violentos para fazer prevalecer o direito de Deus. Sua exaltação vem do fato de eles instruírem a muitos nos caminhos da justiça.
O julgamento de Deus sobre a história pode tardar, mas não falhará. Por fim prevalecerá a justiça divina, que recompensará os fiéis e dará àqueles que de modo particular foram seu instrumento glória e beleza divinas. Com isso, a comunidade de fé é fortificada para enfrentar perseguições na confiança da intervenção final do Senhor.
2. Evangelho (Mc 13,24-32)
O tema do capítulo 13 de Marcos é a escatologia. Isto é, diz respeito à conclusão e à meta da história, que se realizará com a parúsia, a segunda vinda do Senhor. Esse discurso usa numerosas imagens tiradas de textos proféticos do Antigo Testamento e da apocalíptica judaica. A apocalíptica é um conjunto de ideias que responde a uma situação de grave crise a partir de uma revelação de Deus. Essa revelação mostra o sentido das tribulações presentes e, baseando-se no fato de que é Deus quem dirige em última instância a história, inculca a ideia de seu triunfo final sobre todo o mal. Fornece à comunidade, assim, meios para enfrentar a realidade negativa que experimenta.
Dessa forma, o discurso de Jesus em Mc 13 não procura primeiramente descrever os acontecimentos do fim da história. Não se preocupa em anunciar uma catástrofe ou fazer uma ameaça, mas indicar que o mundo tem uma meta, para a qual inexoravelmente caminha: a vinda do Filho do Homem em poder e glória. Acontecerá então a consumação do plano de Deus. Com isso, visa inculcar uma atitude nos cristãos: eles devem estar sempre vigilantes, pois o Senhor, embora possa tardar, com toda a certeza virá. Seus discípulos vivem já a partir da certeza dessa vinda, atentos a ela, fixando seu olhar naquele que retornará.
Após a introdução (v. 1-4), o discurso de Jesus descreve os sinais precursores do fim e ensina a atitude do discípulo em tal situação (v. 5-23). O texto do Evangelho de hoje toca o ponto central do discurso (v. 24-27) e é complementado pela primeira das duas parábolas que se seguem (v. 28-29) e por exortações à vigilância (v. 30-32). Com a indicação da segunda vinda de Jesus, de fato, o discurso chega ao seu ponto alto. Essa vinda (parúsia, cf. 1Ts 4,17: retorno glorioso de um rei ou general após uma guerra. Ou visita do imperador a uma cidade) terá lugar “depois daquela tribulação”. Os sofrimentos que marcarão o tempo final não são a conclusão de tudo; haverá uma grande mudança, determinada pelo retorno do Filho do Homem.
A vinda do Filho do Homem é descrita com imagens cósmicas. Trata-se de um modo de falar com o objetivo de enfatizar que se trata de uma teofania, uma manifestação de Deus cheia de glória e poder.
A expressão “Filho do Homem” evoca o texto de Dn 7,13-14. As nuvens indicam sua origem celeste. O tempo da consumação não será mais marcado pelo levantar-se de Miguel, mas pelo retorno do próprio Jesus. Sua vinda será não mais na fraqueza de sua humanidade terrestre, mas na glória de sua ressurreição e no seu poder para julgar o mundo e a história (cf. Mt 25,31). Ele vem para todos. Não se diz para que ele vem; apenas se acena à reunião de todos os justos de todas as partes. A imagem dos anjos que reúnem os eleitos ocorre já no Antigo Testamento (cf. Zc 2,10; Dt 30,4): o povo eleito se encontra disperso por toda a terra, e Deus o reunirá no fim dos tempos. Em Marcos, trata-se da comunidade cristã, que participará da salvação. A reunião dos discípulos em torno de Jesus constitui, em Marcos, a comunidade da Igreja. Com efeito, em Marcos, a primeira ação de Jesus é chamar e reunir a si os discípulos; eles estarão com Ele todo o tempo de sua vida pública (cf. Mc 1,16-20). Na parúsia, a Igreja será levada à sua plenitude, quando os justos (cf. Dn 12,2) estarão definitivamente com o Senhor (cf. 1Ts 4,17).
A parábola que segue (v. 28-29) mostra a necessidade de saber discernir os sinais precursores do fim (v. 5-23). O discípulo deve ser sábio: deve ser capaz de observar e interpretar. Como os sinais estão presentes em vários momentos da história, o cristão é chamado, a cada instante, à consciência de que “está próximo, às portas” (cf. 1Ts 5,1-3). A parúsia do Senhor não é só um acontecimento futuro, mas um acontecimento futuro que lança luz ao meu presente, à medida que influencia meu pensar, meu julgar, meu agir.
O v. 30 refere-se, ao contrário, a todos os acontecimentos indicados no discurso (“até que tudo isso aconteça”). “Esta geração não passará”: a geração à qual são dirigidas as palavras do Evangelho. Mais do que uma ideia precisa acerca do tempo, o que se quer transmitir é a certeza de que tal Palavra se cumprirá: tal certeza deve ser um chamado constante à conversão e à necessidade de estar vigilante.
A chave de interpretação dos sinais é a Palavra de Jesus (v. 31). A parúsia mostrará que tudo é transitório, com exceção da Sua Palavra. A consumação da história já começa em nossas decisões e na Palavra de Jesus que já hoje opera.
O texto conclui enfatizando que determinar o momento da parúsia está reservado ao Pai (v. 32). Há uma linha ascendente: anjos – Filho – Pai. Isso sublinha a absoluta liberdade de Deus, a gratuidade de seu agir, e em nada diminui o poder de Jesus. Mostra, porém, que Jesus quis, como homem, submeter-se totalmente ao Pai, dele recebendo tudo. Para a comunidade de Marcos, isto é o decisivo: saber que o dia virá com certeza e que o momento de sua vinda está nas mãos de Deus.
3. II leitura (Hb 10,11-14.18)
O texto da segunda leitura pertence à mesma seção do trecho do domingo passado, onde se apresenta a diferença entre como os sacerdotes do Antigo Testamento garantiam o acesso a Deus e como Jesus o fez. O ponto central aqui é que Jesus realizou um sacrifício único pelos pecados, pois por ele realizou plenamente a salvação do gênero humano. O perdão já foi concedido (v. 18), Deus já se tornou propício aos homens e não voltará atrás.
Por esse sacrifício irrepetível Jesus alcançou a glória (v. 12). A ressurreição de Jesus o constitui como Senhor da história. O tempo atual aguarda o momento em que seus inimigos serão colocados como apoio para seus pés (v. 13): quando o Senhor consumará sua obra. Ele é o glorioso, o Filho do Homem que julgará o mundo por sua Palavra e tudo levará à plenitude.
DICAS PARA REFLEXÃO
– Sou eu alguém que procura contribuir para que muitos cheguem mais facilmente a Deus (Dn 12,3)? Ou, por meu agir, contribuo para que reine no mundo a injustiça, a maldade, o erro?
– Como a parúsia do Senhor influencia minha vida e a de minha comunidade já agora?
– Sei/sabemos ler os sinais da minha/nossa história à luz da Palavra de Deus, à luz de sua morte, caminho para a glória?