Publicado em novembro-dezembro de 2012 - ano 53 - número 287 - (pp. 19-24)
A Igreja Católica e o Movimento ecumênico: Na celebração dos 50 anos de abertura do Concílio Vaticano II
Por Pe. Francisco de Aquino Júnior
O Concílio Vaticano II (ALBERIGO, 2006; VALENTINI, 2001; ALMEIDA, 2011) abriu um novo capítulo na história da relação da Igreja católico-romana com as demais igrejas cristãs e, particularmente, com o movimento ecumênico, em curso desde o século XIX (VERCRUYSSE, 1998, p. 47-91; SANTA ANA, 1991, p. 219-255; WOLF, 1995, p. 249-272). Ele quis ser um Concílio verdadeiramente ecumênico e teve como um de seus “principais objetivos” a promoção da restauração da unidade dos cristãos (cf. UR 1; SC 1). Em vista disso, o papa João XXIII constituiu, inclusive, um Secretariado para a União dos Cristãos para “auxiliar os padres [conciliares] a examinar os esquemas [dos documentos] sob o ponto de vista ecumênico” (KLOPPENBURG, 1995, p. 5-36).
Como se sabe, o movimento ecumênico nasceu e se desenvolveu entre as igrejas protestantes e foi visto com muita reserva, quando não rejeitado tacitamente, pelas autoridades eclesiásticas católico-romanas. Em sua Encíclica Mortalium Animus (06/01/1928), por exemplo, referindo-se aos encontros ecumênicos, Pio IX afirma, sem meias palavras: “a Sé Apostólica não pode de modo algum participar das suas reuniões, e de nenhum modo podem os católicos aderir a tais tentativas ou lhes prestar ajuda”.[1] E, de fato, Roma recusou várias vezes o convite a participar de iniciativas ecumênicas, dentre outras, a Conferência de Edimburgo em 1910, “considerada como a hora e o lugar de nascimento do movimento ecumênico moderno”,[2] e a assembleia de fundação do Conselho Mundial das igrejas em 1948.
Certamente, houve iniciativas muito importantes da parte de lideranças e grupos católicos, seja no âmbito da reflexão teológica (Congar, Rahner, Daniélou), seja no âmbito da espiritualidade (Paul Couturir, Paul Wattson, Lambert Beauduin), seja no âmbito institucional (Centro Istina em Paris, Movimento Una Sancta na Alemanha, Centro Pro Unione em Roma, Conversações de Mechelen na Bélgica) (ibidem, p. 65s; WOLF, op. cit., p. 253s ), seja, enfim, no serviço da caridade. Particular destaque merece a atuação do bispo Ângelo Roncalli, eleito posteriormente bispo de Roma – João XXIII.[3] Em todo caso, tratavam-se de iniciativas particulares e/ou localizadas. Do ponto de vista institucional, um dos poucos avanços que se pode constatar é o reconhecimento, por parte do Santo Ofício, em sua instrução De Motione Ecumenica (20/12/1949), do ecumenismo como um movimento nascido “sob a inspiração da graça do Espírito Santo”, ainda que continue afirmando a posição tradicional, segundo a qual “a única união verdadeira se realiza com o retorno dos dissidentes à única verdadeira Igreja de Cristo” (VERCRUYSSE, op. cit., p. 68). Em todo caso, trata-se de uma posição mais moderada e aberta, importante na criação de um ambiente menos hostil e mais favorável ao ecumenismo.
Mas a grande virada se dará com o papa João XXIII e o Concílio Vaticano II – um “divisor de águas” (ibid.) em muitas questões na vida da igreja, concretamente no que diz respeito ao ecumenismo. Aqui, pode-se e deve-se falar, sem dúvida nenhuma, de um antes e um depois – sem cair em simplificações e mistificações históricas. É claro que não se pode entender o Concílio sem as iniciativas e os processos que o preparam, por mais particulares e localizados que fossem. Nesse sentido, não se pode falar de uma ruptura ou mudança brusca nem de algo absolutamente novo. Mas é com João XXIII e com o Concílio que essas iniciativas ganharam visibilidade e projeção e influenciarão decisivamente na postura prático-teórica que a Igreja, enquanto instituição, assumirá com relação às outras igrejas cristãs e ao próprio movimento ecumênico. E é nesse sentido, precisamente, que se pode e se deve falar do Concílio em termos de ruptura (com a posição até então hegemônica) e de novidade (um novo capítulo na história da relação da Igreja católico-romana com as demais igrejas cristãs e com o movimento ecumênico).
A restauração da unidade dos cristãos foi, indiscutivelmente, uma das preocupações e uma das marcas principais do pontificado de João XXIII e do Concílio por ele idealizado, convocado e inaugurado. Não por acaso, seu anúncio foi feito na celebração de encerramento da semana de oração pela unidade dos cristãos (25/01/1959).[4] E uma série de medidas garantiu que a problemática ecumênica não se perdesse no formalismo vazio das “boas intenções”: criação do Secretariado para a União dos Cristãos (05/06/1960); convite a observadores ortodoxos, anglicanos e protestantes para o Concílio; presença de uma delegação católico-romana na assembleia do Conselho Mundial das Igrejas em Nova Délhi (1960); exclusão das expressões antissemitas na liturgia da Sexta-feira Santa, dentre outras (WOLF, op. cit., p. 254). Por fim, convém recordar que o Decreto Unitatis Redintegratio, sobre o ecumenismo, e a Constituição Dogmática Lumen Gentium, sobre a Igreja, foram publicados no mesmo dia (21/11/1964) e que, segundo Paulo VI, em discurso pronunciado naquela ocasião, a doutrina sobre a Igreja deve ser interpretada à luz do decreto sobre o ecumenismo.[5] Na mesma linha, João Paulo II, em sua Carta Encíclica Ut unum sint (25/05/1995), recorda que “a Constituição dogmática Lumen Gentium liga a doutrina sobre a Igreja Católica ao reconhecimento dos elementos salvíficos que se encontram nas outras Igrejas e comunidades eclesiais”, de modo que “a procura da unidade dos cristãos não é um ato facultativo ou oportunista, mas uma exigência que dimana do próprio ser da comunidade cristã” (UUS 49/2).
O Decreto Unitates Redintegratio (UR) é considerado “a Magna Carta católica do ecumenismo” e “o alvará para o compromisso ecumênico da Igreja Católica” (VERCRUYSSE, op. cit., p. 63 e p. 70, respectivamente ). Ele “estabelece as bases doutrinais e as orientações pastorais para o ecumenismo na Igreja Católica” (WOLF, op. cit., p. 256). Vejamos rapidamente sua estrutura e seu conteúdo fundamental.
O documento começa com um proêmio, onde apresenta a restauração da unidade dos cristãos como um dos “principais objetivos” do Concílio frente ao “escândalo”, à “contradição” e ao “prejuízo” que é a divisão da una e única Igreja de Cristo, fala do movimento ecumênico como “obra do Espírito Santo” e explicita a finalidade do documento: “propor a todos os católicos os meios, os caminhos e os modos” para a prática do ecumenismo na Igreja Católica (UR 1).
O primeiro capítulo trata dos “princípios católicos do ecumenismo”:
1) Unidade e unicidade da Igreja, tendo como “princípio” e “modelo” a “unidade de um Deus na trindade de pessoas”: o Pai envia o Filho para remir, regenerar e unificar o gênero humano; o Filho roga ao Pai “para que todos sejam um”, institui o “sacramento da Eucaristia” – sinal e realização da unidade da igreja, dá “o novo mandamento do amor mútuo” e promete o “Espírito Paráclito”; o Espírito Santo, “princípio da unidade da Igreja”, é “quem opera a distribuição das graças e dos ministérios”, particularmente no diz respeito ao “ofício de ensinar, reger e santificar” outorgado ao “Colégio dos Doze”, tendo Pedro à sua frente, e aos “seus sucessores” (UR 2).
2) Relação dos irmãos separados com a Igreja Católica: “aqueles que creem em Cristo e foram devidamente batizados estão constituídos numa certa comunhão, embora não perfeita, com a Igreja Católica”; não obstante as “discrepâncias vigentes”, estão “incorporados a Cristo” e, por isso, devem ser “honrados com o nome de cristãos” e reconhecidos como “irmãos no Senhor”; suas Igrejas e comunidades, não obstante as “deficiências”, “de modo algum estão destituídas de significação e importância no mistério da salvação” – são “meios de salvação”, ainda que, segundo o texto, “somente através da Igreja católica de Cristo, auxílio geral da salvação, pode ser atingida toda a plenitude dos meios de salvação” (UR 3).
3) Ecumenismo: fala das ações em prol da unidade dos cristãos como movidas pelo Espírito; exorta os fiéis católicos a participarem do trabalho ecumênico, a se preocuparem com os irmãos separados e a “examinarem, com espírito sincero e atento, o que dentro da própria família católica deve ser renovado e realizado para que sua vida dê um testemunho mais fiel e luminoso da doutrina e dos ensinamentos recebidos de Cristo através dos Apóstolos”; exorta à “unidade nas coisas necessárias”, à “devida liberdade” nas “formas de vida espiritual e de disciplina”, nos “ritos litúrgicos” e na “elaboração teológica” e, em tudo, à “caridade”; e, por fim, recorda que “tudo o que a graça do Espírito Santo realiza nos irmãos separados pode contribuir também para a nossa edificação” (UR 4).
O segundo capítulo, voltado para “a prática do ecumenismo”, indica sete aspectos da prática ecumênica ou sete modos de tornar o ecumenismo uma realidade na vida da Igreja: a “renovação da Igreja” em vista de uma “fidelidade maior à própria vocação” (UR 6); a “conversão do coração”, acompanhada de um pedido humilde de perdão a Deus e aos irmãos separados e da oferta de perdão (UR 7); a “oração comum”, que, juntamente com a “conversão do coração” e a “santidade de vida”, é como que “a alma de todo movimento ecumênico” (UR 8); o “conhecimento mútuo dos irmãos” – doutrina, história, vida espiritual e litúrgica, psicologia religiosa e cultura (UR 9); o “ensino ecumênico”, particularmente para “os futuros pastores e sacerdotes” e para os que “se entregam a obras missionárias” (UR 10); “o modo de expressar e expor a doutrina da fé”: lembrando que “existe uma ordem ou ‘hierarquia’ de verdades na doutrina católica”, o texto insiste na necessidade de uma exposição lúcida da “doutrina inteira”, feita “de tal modo e com tais termos” que possa ser compreendida pelos irmãos separados e não tornar-se um “obstáculo para o diálogo” com eles (UR 11); “a cooperação com os irmãos separados”, expressão dos “laços que já os unem entre si e faz resplandecer mais plenamente a face de Cristo servo” e caminho privilegiado para o conhecimento, a estima e a unidade dos cristãos (UR 12).
O terceiro capítulo, “As igrejas e comunidades separadas da Sé Apostólica Romana”, trata das “duas principais categorias de cisões que afetam a túnica inconsútil de Cristo”: as “igrejas orientais” e as “igrejas e comunidades separadas no Ocidente”. Tal abordagem se justifica pelo fato de essas divisões diferirem muito entre si, “não apenas em razão da origem, lugar e tempo, mas, principalmente, pela natureza e gravidade das questões pertinentes à fé e à estrutura eclesiástica” (UR 13). No que se refere às igrejas orientais, consideram-se sua mentalidade e história próprias (UR 14), sua tradição litúrgica e espiritual (UR 15), sua disciplina própria (UR 16) e a índole própria de sua teologia (UR 17). Quanto às igrejas e comunidades separadas no Ocidente, começa chamando atenção para a condição própria dessas comunidades e destaca, em seguida, “alguns pontos que podem e devem ser o fundamento e o encorajamento deste diálogo”, não obstante as “discrepâncias consideráveis” (UR 19): “a confissão de Cristo” (UR 20), “o estudo da Sagrada Escritura” (UR 21), “a vida sacramental” (UR 22) e “a vida com Cristo” (UR 23).
E, como conclusão geral, após ter exposto “as condições segundo as quais podem-se exercer a ação ecumênica e os princípios pelos quais ela deve ser moderada”, o documento “exorta os fiéis a se absterem de qualquer zelo superficial ou imprudente que possa prejudicar o verdadeiro progresso da unidade”: “que não se ponham obstáculos aos caminhos da providência e que não se prejudiquem os futuros impulsos do Espírito Santo”! E conclui reconhecendo que “esse santo propósito de reconciliar todos os cristãos na unidade de uma só e única Igreja de Cristo excede as forças e os dotes humanos. Por isso, põe inteiramente sua esperança na oração de Cristo pela Igreja, no amor do Pai para conosco e na virtude do Espírito Santo” (UR 24).
Esse documento tem uma importância decisiva e fundamental na nova postura da Igreja católico-romana para com as demais igrejas cristãs e para com o movimento ecumênico enquanto tal. Em certo sentido, ele é o resultado da abertura e da prática ecumênica do Concílio (o que o evento conciliar deu de si ecumenicamente) e a inauguração de uma nova postura/prática ecumênica na Igreja católico-romana (o que o Concílio ainda dará de si na prática ecumênica da Igreja por ele inaugurada).
No que diz respeito ao dinamismo ecumênico inaugurado pelo Concílio, é preciso reconhecer, antes de tudo, sua fecundidade nos anos pós-conciliares: uma verdadeira primavera ecumênica na Igreja católico-romana. E tanto do ponto de vista institucional, quanto do ponto de vista pastoral (VERCRUYSSE, Op. cit., p. 68-97; WOLF, op. cit., p. 254-261): confirmação e integração do Secretariado para a União dos Cristãos na estrutura permanente da cúria romana (03/01/1966); contatos com lideranças eclesiásticas protestantes, anglicanas e ortodoxas; visita do bispo de Roma ao Conselho Mundial das Igrejas (1969); estudo sobre a possibilidade e o modo de integração da Igreja católico-romana ao Conselho Mundial das Igrejas; comissões de diálogo bilaterais e multilaterais (VERCRUYSSE, ibid., p. 79-91); diretório para aplicação dos princípios e normas sobre o ecumenismo na Igreja católico-romana; clima de abertura, acolhida e diálogo na Igreja; prática local do ecumenismo, sobretudo em prol da vida, da justiça e da paz e na oração comum, dentre outros. Falando dos “frutos do diálogo”, Elias Wolff (2005, p. 259s) indica cinco aspectos de crescimento nas relações ecumênicas: “nas relações entre os dirigentes das igrejas, existem pontos de encontro e mútua procura de avizinhamento e diálogo; em âmbito teológico-doutrinal, chegou-se a importantes convergências e consensos sobre vários elementos da fé cristã e eclesial; nas comunidades dos fiéis, cresce o convívio entre cristãos de diferentes confissões, vencendo-se preconceitos e hostilidades; no campo pastoral, a cooperação ecumênica é realidade em muitos ambientes; na espiritualidade, cresce a sensibilidade ecumênica”.
Mas a primavera não durou tanto quanto se esperava. Um longo inverno ecumênico (inverno no sentido europeu) abateu-se sobre a igreja e não dá sinais de estar passando… O pe. Elias Wolff (ibid., p. 262) afirma que “os sinais de recuo se fazem sentir, sobretudo, no comportamento da Igreja oficial nos últimos trinta anos. Esse comportamento parece colocar dúvidas sobre o real compromisso ecumênico da Igreja católica romana” e se manifesta, de modo particular, em três documentos emanados da Cúria Romana: Carta aos Bispos, sobre alguns aspectos da Igreja entendida como comunhão, da Congregação para a Doutrina da Fé (1992); Declaração Dominus Iesus, também da Congregação para a Doutrina da Fé (2000); e a Carta Encíclica Ecclesia de Eucharistia, do papa João Paulo II (2003). Esses documentos, além do tom pessimista e polêmico com relação às outras igrejas e ao ecumenismo, parecem ignorar ou, ao menos, não contemplar suficientemente os avanços realizados pelo diálogo ecumênico nos anos pós-conciliares. Na melhor das hipóteses, prendem-se ao texto do Concílio como se entre ele e os documentos acima referidos não tivesse havido nenhum avanço na reflexão teológica. E tudo isso tem muitas consequências na vida das igrejas, na qual se constata cada vez mais “um desencontro entre ecumenismo e Igreja”, entre o “ideal da unidade” e a “prática” eclesial, o que “acentua ainda mais a fragilidade das convicções ecumênicas na Igreja, sobretudo na ‘atual geração, que não viu o Concílio’” (WOLF, 2005, p. 263). Por essas razões, continua, “a situação atual poderia ser caracterizada pelo seguinte impasse: ou refaz-se a opção pelo ecumenismo assumindo o diálogo de modo consequente, ou declara-se a deserção e, assim, deslegitima-se tanto o Concílio quanto os esforços ecumênicos realizados até aqui. Parece que por falta dessa opção escolhe-se uma terceira via: estar no caminho ecumênico sem caminhar ecumenicamente. Isso significa fazer que o ecumenismo não tenha incidência prática no cotidiano da Igreja, o que explica a dificuldade da receptatio dos resultados dos diálogos até aqui realizados” (ibid., p. 264).
Nesse contexto, não deixa de ser “significativo” no Brasil que, precisamente quando diminui o número dos que se declaram católicos e cresce o número dos que se declaram membros de outras igrejas cristãs, de outras tradições religiosas e dos sem religião, as “novas” Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora da Igreja no Brasil (2011-2015) praticamente ignorem a problemática e o desafio do ecumenismo. Enquanto nas diretrizes anteriores o ecumenismo e o diálogo inter-religioso apareciam como uma das seis dimensões da ação pastoral (dimensão ecumênica e do diálogo inter-religioso) ou como uma das quatro exigências da ação evangelizadora (diálogo), nas diretrizes atuais, estruturadas em torno de urgências na ação evangelizadora, eles não chegam a constituir propriamente uma urgência. O ecumenismo e o diálogo inter-religioso são mencionados uma única vez, ao propor algumas “perspectivas de ação” para a primeira urgência: “Igreja em estado permanente de missão” (n. 82 e 83). Será por acaso ou será esse mais um sinal do “inverno”, ou melhor, da “seca” ecumênica que se abate sobre a Igreja nas últimas décadas?
Em todo caso, isso não pode ser motivo de desânimo. A unidade dos cristãos no seguimento de Jesus Cristo, isto é, na entrega e no serviço à realização do reinado de Deus, cuja medida e cujo critério são sempre as necessidades da humanidade sofredora (Mt 25,1-16), além de ser uma exigência intrínseca e fundamental da fé cristã, é uma necessidade e uma urgência de nossa hora histórica. E essa unidade se constrói, antes de tudo e sobretudo, na vida fraterna, na solidariedade com a humanidade sofredora, na luta pela justiça e na construção de uma sociedade mais justa e fraterna – sinal do reinado de Deus entre nós.[6] A partir daí, podemos ir avançando na reflexão e na reelaboração teológicas.[7] Convém não esquecer que a postura ecumênica do Concílio foi preparada na prática (silenciosa, conflitiva e suspeita) de muitos cristãos, individualmente e/ou em grupo, e em uma época muito mais difícil e hostil, do ponto de vista ecumênico. Atualmente, pelo menos não se nega, em princípio, a exigência, a necessidade e a importância do ecumenismo – mesmo que a prática vá noutra direção.
Remando contra a maré, caminhando na contramão – como é próprio da vida cristã! –, avancemos, pois, na busca da unidade desejada por Jesus Cristo e construída na força de seu Espírito: unidade na entrega e no serviço à realização do reinado de Deus (venha a nós o teu Reino…), cuja expressão maior é a Eucaristia (fazei de nós um só corpo e um só espírito) e cujo critério maior são sempre as necessidades dos pobres, oprimidos e fracos.
Venha o teu Reino!
Seja feita a tua vontade, assim na terra como no céu.
Amém!
BIBLIOGRAFIA
ALBERIGO, G. Breve história do Concílio Vaticano II. Aparecida: Santuário, 2006.
VALENTINI, D. Revisitar o Concílio Vaticano II. São Paulo: Paulinas, 2001.
ALMEIDA, A. J. de. “João XXIII, o papa do Concílio: ‘Veio um homem enviado por Deus cujo nome era João’”. REB 284 (2011), p. 831-860.
VERCRUYSSE, J. Introdução à teologia ecumênica. São Paulo: Loyola, 1998.
SANTA ANA, J. de. Ecumenismo e Libertação. Petrópolis: Vozes, 1991.
WOLF, E. “O Concílio Vaticano II e o ecumenismo no contexto brasileiro”. In LOPES GONÇALVES, P. S.; BOMBONATTO, V. I. (orgs.). Concílio Vaticano II: Análise e prospectivas. São Paulo: Paulinas, 2005.
KLOPPENBURG, B. “Introdução Geral aos Documentos do Concílio”. COMPÊNDIO DO VATICANO II. Constituições, decretos e declarações. Petrópolis: Vozes, 1995, p. 5-36, aqui p. 12.
LATOURELLE, R. (org). Vaticano II. Bilancio & prospettive: venticinque anni dopo (1962-1987). Assis: Cittadella, 1987.
GAUTHIER, P. O Concílio e a igreja dos pobres. Petrópolis: Vozes, 1960.
[1] PIO XI, Mortalium animus, apud J. VERCRUYSSE, op. cit., p. 67. À consulta sobre “se é permitido aos católicos assistirem ou interessarem-se por reuniões, agrupamentos, conferências ou sociedades de não católicos que tenham por objetivo reunir sob um só pacto religioso (uno religionis fodere) todos aqueles que de alguma forma reivindicam o nome de cristãos”, o Santo Ofício, em decreto de 8 de julho de 1928, responde com um rotundo “non licet” (WOLF, op. cit., p. 253).
[2] J. VERCRUYSSE, op. cit., p. 49. Posteriormente, em 1919, em preparação para uma conferência mundial acerca das questões referentes à fé e à constituição da Igreja, uma delegação visitou o Vaticano e, segundo relatório da mesma, o papa Bento XV acolheu a delegação “com irresistível benevolência”, rejeitando, porém, “com irrecusável severidade” o convite à conferência (cf. ibidem, p. 51).
[3] Ibidem, p. 254. “Em 1927, visitou o patriarca de Constantinopla, Basílio III, acreditando que a unidade exige ‘a caridade […] mais do que a discussão teológica’. Depois, como delegado apostólico na Grécia e Turquia (1934-1944) e como núncio em Paris (1944-1953), continuou o esforço de boas relações entre igrejas e religiões” (ibidem).
[4] E, como recorda Kloppenburg Boaventura, em sua introdução geral ao Compêndio Vaticano II, “desde o primeiríssimo aviso oficial sobre o Concílio, publicado no L’Osservatore Romano de 26-27 de janeiro, se comunicava: ‘pelo que se refere à celebração de um Concílio Ecumênico, este, segundo o pensamento do Santo Padre, não somente tende à edificação do povo cristão, mas também quer ser um convite às comunidades separadas para a busca da unidade pela qual hoje em dia muitas almas anseiam em todos os pontos da terra’” (KLOPPENBURG, op. cit., p. 12).
[5] Cf. PAULO VI, Acta Apostolicae Sedis 56 [1964] 1012-1-13, apud Francis A. SULLIVAN, “In che senso la chiesa do Cristo ‘sussiste’ nella chiesa cattolica romana?”, em René LATOURELLE (org), Vaticano II. Bilancio & prospettive: venticinque anni dopo (1962-1987), Assis: Cittadella, 1987, p. 811-824, aqui p. 814.
[6] Esse era o caminho indicado para o ecumenismo por vários padres conciliares articulados num grupo que ficou conhecido como “igreja dos pobres”: pensar e construir a unidade dos cristãos a partir dos pobres (cf. GAUTHIER, 1960, p. 180, 239ss).
[7] A reflexão teológica é apenas um momento do processo mais amplo e complexo de busca e construção da unidade dos cristãos. Reduzir o ecumenismo ao diálogo teológico ou doutrinário, ou mesmo supervalorizar esse memento em detrimento da vida fraterna e da luta comum pela justiça e pela paz, significa, a longo prazo, relegá-lo a um discurso formal e pouco fecundo que termina esbarrando e/ou sucumbindo numa autoafirmação narcisista, beirando ao fundamentalismo. E essa pode ser uma das razões da seca ecumênica na Igreja católico-romana, como constata Giuseppe Alberigo: “a aurora promissora de um processo de unificação das igrejas cristãs afundou em milhares de diálogos, todos doutrinários, inspirados pelo sincero desejo de superar as dissensões, mas quase sempre tornados fim para si mesmos, privados de um impulso criativo” (ALBERIGO, op. cit., p. 199).
Pe. Francisco de Aquino Júnior
* Doutor em teologia pela Westfälische Wilhelms-Universität de Münster (Alemanha), professor de Teologia na Faculdade Católica de Fortaleza e presbítero da Diocese de Limoeiro do Norte – CE.