Publicado em julho-agosto de 2010 - ano 51 - número 273 - (pp. 30-37)
Grande mídia Vs. nova mídia na política brasileira
Por Venício A. de Lima
Estudiosos sustentam que a crise política de 2005 e as eleições presidenciais de 2006 marcam uma ruptura na relação histórica entre a “grande mídia” e as eleições no Brasil.
De fato, apesar de uma unânime narrativa adversa por parte da grande mídia e do chamado “escândalo do Mensalão”, o presidente Lula e seu governo mantiveram altos índices médios de aprovação popular. Ademais, os resultados que deram a vitória ao candidato Lula nas eleições de 2006 não foram previstos e eram considerados improváveis pela quase unanimidade dos colunistas da “grande mídia”. Houve um relativo consenso de que Lula não era o “preferido” pelos principais grupos de mídia. Tanto que, nas comemorações populares após a divulgação do resultado final, surgiram faixas nas ruas com os dizeres: “O povo venceu a mídia” (cf. Lima, 2007).
A ser verdadeiro o argumento da “ruptura”, quais teriam sido os fatores novos que reduziram o poder da “grande mídia” de influir decisivamente nos resultados eleitorais?
Este texto é não só uma tentativa de responder preliminarmente a essa questão, como constitui um esforço de reavaliar “teses”[1] sobre as relações entre a mídia e a política no Brasil que têm sido por nós apresentadas nos últimos sete anos.[2]Trata-se de confrontar as antigas “teses” com o extraordinário avanço das tecnologias de comunicação e informação (TICs) — a “nova mídia” —, sobretudo a internet e suas inúmeras potencialidades.
1. Grande mídia vs. nova mídia
No seu Mídias sem limite (2003), o pesquisador Todd Gitlin usa inteligente parábola para explicar o caráter abrangente da mídia. Reproduzo:
Um fiscal de alfândega observa um caminhão aproximar-se da fronteira. Desconfiado, manda o motorista descer e revista o veículo. Retira painéis, para-choques e estepe, mas não encontra nem traço de contrabando. E assim, ainda desconfiado, mas sem saber onde procurar mais, manda o motorista embora. Na semana seguinte, o mesmo motorista aparece. Novamente o fiscal revista tudo e, novamente, não encontra nada ilícito. Os anos passam, o fiscal experimenta revistar o próprio motorista, tenta raios X, sonar, tudo em que consegue pensar, e toda semana o mesmo homem vem, mas nenhuma carga misteriosa jamais aparece, e todas as vezes, relutante, o fiscal manda o homem embora. Finalmente, depois de muitos anos, o fiscal vai se aposentar. O motorista chega.
— Sei que v. é contrabandista – diz o fiscal. — Nem adianta negar. Mas não consigo imaginar o que v. contrabandeou esses anos todos. Estou quase me aposentando. Juro que não vou prejudicar você. Por favor, me conte o que você está contrabandeando.
— Caminhões – diz o motorista.
A expressão grande mídia — media (mídia), plural latino de medium — será entendida aqui como o conjunto das instituições que utilizam tecnologias específicas para “intermediar” a comunicação humana. Vale dizer que a grande mídia implica sempre a existência de uma instituição e de um aparato tecnológico. Esse é um tipo específico de comunicação, realizado por meio de instituições que aparecem tardiamente na história da humanidade e constituem um dos importantes símbolos da modernidade. Duas características da comunicação da grande mídia são a sua unidirecionalidade e a produção centralizada, integrada e padronizada de seus conteúdos.
Já a expressão nova mídia servirá para designar a comunicação realizada por meio da rede mundial de computadores, isto é, da internet. Ao contrário da grande mídia, a nova mídia possibilita a interação on-line entre emissor e receptor por meio de computadores pessoais fixos e/ou móveis (celulares, laptops, notebooks etc.).[3]
2. Política
A política, por outro lado, em sua origem clássica, derivada da palavra grega polis, significa “tudo que diz respeito à cidade, o que é urbano, civil, público”. Historicamente, a ideia de política está associada ao exercício do poder na relação tanto entre soberano e súditos como entre governantes e governados e entre autoridade e obediência.
Queremos salientar aqui, todavia, o conceito de política associado à ideia de público. Para justificar essa escolha, vamos nos valer de um precioso artigo de Norberto Bobbio (1992), “A democracia e o poder invisível”, publicado ainda em 1980. Bobbio nos introduz no espaço conceitual da democracia como “governo do poder visível” ou como “governo do poder público em público”, em oposição ao poder autocrático.
É preciso lembrar que há dois significados básicos para a palavra público. No primeiro, em oposição ao que é privado, público refere-se à coisa pública, ao Estado; no segundo, em oposição ao que é secreto, público refere-se ao que é manifesto, evidente, visível. Pode-se dizer, portanto, que a democracia é — em tese — o regime do poder visível da coisa pública. Dessa forma, a política, nas democracias, seria a atividade pública (visível) relativa às coisas públicas (do Estado).
Neste texto, é assim que a política será entendida, como atividade eminentemente pública e visível nas democracias.
Explicitados os conceitos com os quais vamos trabalhar, podemos passar agora à apresentação de nossas teses.
3. Teses
PRIMEIRA: a grande mídia ocupa uma posição de centralidade nas sociedades contemporâneas, permeando diferentes processos e esferas da atividade humana, particularmente a esfera da política.
A noção de centralidade tem sido aplicada nas Ciências Sociais igualmente a pessoas, instituições e ideias-valores. Ela implica a existência de seu oposto, vale dizer, o periférico, o marginal, o excluído, mas, ao mesmo tempo, admite gradações de proximidade e afastamento. Pessoas, instituições e ideias-valores podem ser mais ou menos centrais.
Um pressuposto para falar na centralidade da grande mídia (sobretudo a eletrônica) nas sociedades é a existência de um sistema nacional (network) consolidado de telecomunicações. Até relativamente pouco tempo, cerca de quarenta anos, o Brasil não dispunha de uma mídia de alcance nacional.
Do ponto de vista político, o papel central da grande mídia, sobretudo da eletrônica, particularmente a televisão, foi inicialmente reconhecido pelo Estado autoritário. Foram os militares e seus aliados civis que — por razões de segurança nacional, em primeiro lugar, e de mercado, em segundo — criaram as condições de infraestrutura física indispensáveis à consolidação de uma mídia nacional.
O papel mais importante desempenhado pela grande mídia decorre do seu poder de longo prazo na construção da realidade por meio da representação que faz dos diferentes aspectos da vida humana — das etnias (branco/negro), dos gêneros (masculino/feminino), das gerações (novo/velho), da estética (feio/bonito) etc. — e, particularmente, da política e dos políticos. É sobretudo por meio da grande mídia — em sua centralidade — que a política é construída simbolicamente, adquire um significado.[4]
SEGUNDA: não há política nacional sem grande mídia.[5]
A política, nos regimes democráticos, é (ou deveria ser) uma atividade eminentemente pública e visível. É a grande mídia — e somente ela — que tem o poder de definir o que é público no mundo contemporâneo.
Na verdade, a própria ideia do que constitui um “evento público” se transforma a partir da existência da grande mídia. Antes de seu desenvolvimento, um “evento público” implicava compartilhamento de um lugar (espaço) comum; copresença; visão, audição, aparência visual, palavra falada; diálogo. Depois do desenvolvimento da grande mídia, um evento, para ser “evento público”, não está limitado à partilha de um lugar comum. O “público” pode estar distante no tempo e no espaço. Dessa forma, a grande mídia suplementa a forma tradicional de constituição do “público”, mas também a estende, transforma e substitui.
Essa nova situação provoca consequências imediatas tanto para quem deseja ser político profissional quanto para a prática da política. Isso porque (a) os atores políticos têm de disputar visibilidade na grande mídia e (b) os diferentes campos políticos têm de disputar visibilidade favorável de seu ponto de vista.
TERCEIRA: a grande mídia está exercendo várias das funções tradicionais atribuídas aos partidos políticos.[6]
No Brasil, embora a crise dos partidos seja permanente tema de controvérsias, existe razoável consenso sobre a histórica inexistência de uma tradição partidária consolidada. Torna-se, assim, mais fácil o exercício, por parte da grande mídia, de algumas das tradicionais funções atribuídas aos partidos, por exemplo:
• construção da agenda pública (agendamento);
• gerar e transmitir informações políticas;
• fiscalizar as ações de governo;
• exercer a crítica das políticas públicas;
• canalizar as demandas da população.
A ocupação desse espaço institucional pela grande mídia é apontada como uma das causas da crise generalizada dos partidos em diferentes sistemas políticos. Além disso, atribui-se à preferência da grande mídia pela cobertura jornalística dos candidatos, e não dos partidos, a crescente “personalização” da política e do processo político, que estaria sendo representado como uma disputa entre pessoas (políticos) e não entre propostas políticas alternativas (partidos). Dessa forma, o espaço de atuação partidária estaria diminuindo cada vez mais (Wattenberg, 1991; 1994).
Vale mencionar que muitas emissoras locais de televisão e de rádio — comunitárias, AM e FM — se caracterizam por exercer o papel de canalizadoras das demandas populares por meio de programas comandados por radialistas, muitos dos quais acabam se transformando em políticos profissionais e exercendo mandatos nas Câmaras de Vereadores, nas Assembleias Legislativas e no Congresso Nacional, além de ocupar cargos eletivos no Poder Executivo.
QUARTA: a grande mídia alterou radicalmente as campanhas eleitorais no final do século XX. Agora elas estão sendo novamente alteradas pela nova mídia.
A comparação, ainda que simplificada, entre as condições de realização de duas eleições históricas para presidente da República — a última (1960) e a primeira (1989) que o Brasil realizou antes e depois do período autoritário — ajuda a ilustrar essa tese.
Como o candidato a presidente, de um partido ou coligação de partidos, se comunicava com os eleitores em 1960? A imprensa e o rádio eram locais e a TV apenas engatinhava. A propaganda eleitoral era garantida pelo acesso pago dos candidatos ao rádio, mediante tabela de preços igual para todos, nos 90 dias anteriores à eleição. Não havia disciplina legal para o acesso à TV, até porque, segundo as estimativas disponíveis, em 1960 existiam apenas cerca de cem mil aparelhos no Rio de Janeiro e em São Paulo. Os debates entre candidatos, promovidos e transmitidos pelo rádio e pela TV durante as campanhas eleitorais, ainda não eram instituídos. O marketing eleitoral era um conceito embrionário. O sucesso de uma campanha dependia, em boa medida, do contato direto do candidato com os eleitores. Isso era feito por meio de inúmeras e constantes viagens, visitas e comícios em centenas de cidades do país. Como o candidato dependia de suporte local nas cidades a serem visitadas, a organização e a estrutura partidárias tornavam-se de importância fundamental. Outro recurso eram as viagens e visitas de correligionários políticos.
Os partidos/coligações partidárias e as demais organizações políticas exerciam a função de mediadores entre o candidato e os eleitores. Além disso, constituíam, para o eleitor, fonte primeira de informações sobre o candidato e seu programa de governo. Era por meio dessas instituições e da distribuição de cartazes, faixas, medalhas, distintivos, “santinhos” etc. que os candidatos buscavam definir a agenda da campanha e construir a sua imagem junto aos eleitores.
Vamos pensar a mesma questão em 1989. Como os candidatos a presidente da República se comunicaram com os eleitores? Na verdade, as condições de 1989 se alteraram de tal forma em relação às de 1960, que a vitória de Collor fez parte de ampla estratégia de marketing político-eleitoral, incluindo a criação — e até mesmo a alteração do nome — de um partido político. A execução dessa estratégia se iniciou muito antes da homologação final da candidatura por um partido. Embora a legislação proíba de forma expressa a utilização do espaço de divulgação dos partidos, na mídia, para fins outros que não a difusão do programa partidário, historicamente ele tem sido utilizado para teste e consolidação de eventuais candidaturas, como foi o caso na eleição de 1989.
Dessa forma, a comunicação com os eleitores se transformou inteiramente. Consultores, assessores profissionais e empresas especializadas em marketing eleitoral assumiram posição estratégica na definição e formatação das próprias mensagens dos partidos e/ou candidatos para os seus eleitores potenciais. Os custos financeiros das campanhas se tornaram astronômicos.
Os eventos políticos (convenções partidárias, comícios, debates, inaugurações, visitas, viagens, pronunciamentos públicos etc.) passaram a ser planejados como eventos para a TV. O contato direto foi substituído pelo contato mediado pela mídia eletrônica. O mesmo ocorreu com relação às fontes de informação dos eleitores. Pesquisas do Datafolha revelaram que 86% dos entrevistados em 1989 e 89% em 1990 tomaram conhecimento dos acontecimentos políticos por meio da TV.
A novidade em 2010 é o papel da “nova mídia”. Como já havia acontecido de forma relativamente menos acentuada nas eleições presidenciais brasileiras de 2006, a eleição de Barack Obama nos Estados Unidos, em 2008, marca a entrada definitiva da nova mídia como fator decisivo nas campanhas contemporâneas (cf. tese OITO).
QUINTA: a grande mídia se partidarizou e se transformou, ela própria, em importante ator político.
A partidarização da grande mídia não é, decerto, um fenômeno restrito às democracias da América Latina, como demonstra a ousada e inédita atitude do governo Barack Obama, em outubro de 2009, de enfrentar publicamente a Rede FOX e nomeá-la, com todas as letras, pelo papel que realmente vem desempenhando, isto é, o papel de um partido político de oposição.
Antonio Gramsci, referindo-se à imprensa italiana do início do século XX, foi quem primeiro chamou a atenção para o fato de que os jornais se transformaram nos verdadeiros partidos políticos. Muitos anos depois, Octávio Ianni chamou a grande mídia de “o príncipe eletrônico”.
No período histórico em que governos, em princípio democráticos, sobretudo na América Latina, propõem o debate ou a regulação dentro das regras do estado de direito ou enfrentam diretamente os grupos privados da grande mídia, criando alternativas estatais e públicas, o reconhecimento pelo governo dos Estados Unidos da partidarização da grande mídia significa importante precedente.
No Brasil, a imprensa declaradamente partidária e associada a bandeiras de luta política operária teve vida curta; e, por óbvio, essa nunca foi a vocação de nossa grande mídia. Ao contrário, nos países em que primeiro surgiu a imprensa partidária, esta, quando desapareceu, estava associada às lutas de afirmação histórica das classes subalternas.
Na conjuntura deste início de século XXI, a grande mídia que se partidariza certamente não expressa nem representa os interesses das classes subalternas.
SEXTA: as características históricas específicas do sistema de mídia no Brasil potencializam o seu poder no processo político.
O Brasil optou, ainda na década de 30 do século passado, pelo chamado trusteeship model, isto é, pela entrega do setor de radiodifusão prioritariamente à exploração comercial de empresas privadas mediante concessões da União. Somente a nova Constituição, em 1988, vai determinar a complementaridade entre os sistemas privado, público e estatal (artigo 223), e mesmo assim a norma nunca foi regulamentada e não teve, ainda, qualquer eficácia.
Historicamente, o setor tem tido uma regulação que incentiva, sem restrições, o desenvolvimento da radiodifusão privada e comercial, e, nas últimas décadas, apesar de radicais mudanças tecnológicas, seu marco regulatório não foi atualizado. Na verdade, o setor permanece regido por um código do início da década de 60 do século passado (Lei 4.117 de 27/8/1962), totalmente superado.
A omissão legal fez que uma das características identificadoras da radiodifusão brasileira seja a ausência de restrições efetivas à propriedade cruzada, isto é, à possibilidade de que o mesmo grupo empresarial controle jornais, revistas, emissoras de rádio e de televisão, provedores de internet etc. em um mesmo mercado. Isso permitiu que a radiodifusão se estabelecesse oligopolicamente no nosso país. Os maiores concessionários de emissoras de rádio foram os grupos que já eram proprietários de jornais. O mesmo ocorreu com as concessões de televisão.
Consolidou-se, portanto, entre nós, um sistema concentrado, liderado pela televisão e, em boa parte, controlado por grupos familiares vinculados às oligarquias políticas regionais e locais. Essas características específicas é que fazem que, no Brasil, o poder da grande mídia ganhe, potencialmente, proporções ainda maiores do que em outros sistemas políticos.
SÉTIMA: as características específicas da população brasileira historicamente potencializaram o poder da grande mídia no processo político, sobretudo no eleitoral, mas essa realidade está mudando rapidamente.
Vamos destacar aqui dois aspectos fundamentais relativos às características da população brasileira: escolaridade e fontes de informação política.
a) Escolaridade
Ao analisar as eleições presidenciais de 2006, Marcos Coimbra, da Vox Populi, atribuiu às importantes mudanças nos padrões de escolaridade a primeira e mais fundamental razão para a inadequação do modelo de “formação de opiniões” que prevalecia entre nós. Ele comentou:
na nossa primeira eleição presidencial moderna, apenas 20% dos eleitores tinham mais que o primeiro grau. Hoje (2006), ultrapassam os 40%. Inversamente, a parcela com baixíssima escolaridade caiu de perto de 60% para cerca de um terço do eleitorado. Em termos absolutos, tivemos, em 2006, mais de cinquenta milhões de eleitores com, pelo menos, parte do segundo grau, com ele completo ou com acesso à educação superior, contra apenas dezoito milhões em 1989, nas mesmas condições (cf. quadro abaixo e Coimbra, 2007).
Escolaridade do Eleitorado — Brasil: 1989 e 2005
BRASIL |
||||
1989 |
2005 |
|||
Escolaridade |
Absoluto |
% |
Absoluto |
% |
Até 4ª série |
48.741.633 |
56% |
47.136.619 |
36% |
De 5ª a 8ª série |
19.837.525 |
23% |
32.087.755 |
24% |
Médio |
11.981.801 |
14% |
37.626.761 |
29% |
Superior |
6.052.157 |
7% |
14.424.707 |
11% |
Fonte: IBGE/PNAD — 1989/2005.
A grande notícia sobre a escolaridade dos eleitores no Brasil, portanto, é o seu formidável avanço nos últimos anos.
b) Fontes de informação política
O DataSenado divulgou, no dia 2/10/2009, uma pesquisa nacional (cf. relatório completo em: <www.senado.gov.br/sf/senado/centralderelacionamento/ sepop/pdf/datasenado/RelatórioFINALdivulgação.pdf>) cujos resultados revelam que a internet (19%) já é o segundo meio de comunicação mais usado pelo eleitor brasileiro para informar-se sobre política, atrás apenas da TV (67%). Jornais e revistas aparecem em terceiro lugar, com 11%, e o rádio é preferido por apenas 4% dos entrevistados. Além disso, quase metade dos eleitores (46%) acredita que a principal vantagem da internet nas eleições será a troca de informações e ideias. A possibilidade de facilitar a comunicação entre candidatos e eleitores aparece em segundo lugar, com 28%. Os entrevistados que disseram usar a internet diariamente somaram 58%; 78% acessam sites de notícias e 53% participam de alguma rede social, como Orkut ou Twitter.
Por outro lado, Marcos Coimbra, em artigo publicado no dia 4/10/2009, divulgou pesquisa da Vox Populi, também realizada em setembro nas oito maiores regiões metropolitanas e no Distrito Federal, segundo a qual a proporção de eleitores que usam a internet para se informar sobre política já chega a 36% (cf. <http://www2.correioweb.com.br/cbonline/politica/pri_pol_ 142.htm>). Informa ele:
Quase dois terços dessas pessoas se informam exclusivamente em sites de notícias e blogs jornalísticos, enquanto 7% utilizam somente as redes sociais, como Orkut, Facebook e Twitter com essa finalidade. Os 29% restantes combinam as duas possibilidades. São eleitores que acessam a rede com muita intensidade: cerca de 70% dos que procuram nela essas informações dizem que navegam “todo dia ou quase todo dia” com esse intuito.
E diz mais:
Como essas proporções [daqueles que se informam pela internet] só sobem ano a ano, é fácil perceber quão diferente vai ficando nossa sociedade política com o passar do tempo. A cada eleição, a internet aumenta de importância, como vimos já em 2008 nas eleições de muitas capitais, onde foi um elemento decisivo do processo de ascensão e queda de diversos candidatos. Em 2010, todo mundo espera que seja ainda mais relevante.
OITAVA: a nova mídia está diluindo o poder histórico da grande mídia e substituindo os “formadores de opinião” tradicionais no papel de principal construtora da opinião pública.
Primeiro, vamos considerar dados recentes sobre a penetração da internet como “nova mídia” e quem são os seus usuários no país.
Uma notícia publicada na Folha de S. Paulo de 10/2/2010, com o título “Internet chega a 66,3 mi de brasileiros em dezembro de 2009”, afirmava:
Dados divulgados pelo Ibope nesta quarta-feira (10/2/2010) apontam que 66,3 milhões de brasileiros tiveram acesso à internet em dezembro (de 2009). Os números foram mensurados a partir do acesso em todos os ambientes — residências, trabalho ou locais públicos. A projeção também aponta que o brasileiro foi o que ficou mais tempo conectado, em média: 44 horas mensais. O número é superior à média dos EUA, com 40 horas, Austrália com 39 horas, França com 38 horas, Reino Unido com 37 horas, Espanha com 35 horas, Alemanha com 33 horas, Japão com 31 horas e Itália com 29 horas. A medição foi feita a partir de acesso do trabalho e de domicílios.
Por outro lado, matéria do Valor Econômico, sob o título “Internet entra de vez na disputa eleitoral”, publicada em 3/7/2009, comentava:
Com o barateamento dos equipamentos de informática, os computadores começaram a entrar nas periferias das grandes cidades. No ano passado (2008), pela primeira vez na história, venderam-se mais computadores do que aparelhos de televisão no Brasil. Segundo dados do IBGE compilados pelo Comitê Gestor da internet (2008), 28% dos lares brasileiros têm ao menos um PC. Aliado a isso, a expansão das populares lan houses pelos rincões do país e pelas áreas mais pobres dos centros urbanos está transformando de forma radical o perfil do internauta. Das cerca de 60 milhões de pessoas que acessaram a internet em 2008, 67% fazem parte das classes C, D e E. Cerca de 80% dessas pessoas têm renda familiar mensal de até cinco salários mínimos. De ferramenta quase exclusiva da elite nos anos 90, a internet encerra a primeira década do século tendo como usuário um indivíduo cada vez mais parecido com o brasileiro médio.
Registre-se que o crescimento da nova mídia ocorre simultaneamente a uma relativa estagnação da mídia impressa (à exceção de alguns jornais e revistas populares) e, sobretudo, dos principais jornalões da grande mídia.
Diante desses dados, é possível argumentar que, embora continue a se valer da grande mídia (sobretudo do rádio e da televisão) como fonte de informação, boa parte da população, como vimos, utiliza-se também da nova mídia (incluindo rádios comunitárias e redes sindicais, por exemplo) e, sobretudo, faz parte — direta ou indiretamente — de uma sociedade civil organizada, com lideranças próprias, que conquistou condições historicamente inéditas de mediatizar as informações que recebe.
Desde a década de 1940, sabe-se da existência das lideranças intermediárias — os líderes de opinião. À medida que aumenta o feixe de relações sociais ao qual o cidadão comum está interligado, diminui o poder de influência que a grande mídia tem de agir diretamente sobre seus ouvintes, telespectadores e leitores e se fortalece a mediação exercida pelas lideranças locais. Passam, portanto, a existir cada vez mais mediações entre o conteúdo veiculado pela grande mídia e a forma de seu “consumo” pela maioria da população.
Do ponto de vista da influência da grande mídia e, sobretudo, dos seus “formadores de opinião”, os dados indicam que parcela importante da população (sobretudo a classe C), historicamente excluída do acesso à mídia impressa, estaria hoje em condições de multiplicar as mediações das mensagens recebidas diretamente da nova mídia e por intermédio de suas lideranças (que se utilizam intensamente da internet).
Os “formadores de opinião” tradicionais parecem estar sendo paulatinamente substituídos por “líderes de opinião” locais — líderes dos movimentos organizados da sociedade civil —, que se utilizam cada vez mais da nova mídia. Esta, apesar de suas limitações, pode oferecer uma pluralidade e uma diversidade de informações e pontos de vista que a grande mídia, com seu discurso homogêneo, não oferece. Dessa forma, mesmo o “consumidor” tradicional da mídia impressa passa a ter acesso a opiniões e contraditórios que até recentemente não estavam disponíveis. Isso lhe oferece a oportunidade de checar, direta ou indiretamente, a veracidade da informação dominante e, portanto, de tomar decisões baseadas em fontes mais plurais e diversas.
4. Conclusões provisórias
A grande mídia, por óbvio, continua relevante, mas já não tem nem de longe a importância na formação da opinião pública que a ela atribuíamos em passado recente. Nos processos eleitorais, sobretudo, essa importância deve ser totalmente reavaliada.
Ocorre-me, todavia, a famosa passagem de Gramsci (1891-1937) nos Cadernos do cárcere, quando ele comenta a “crise de autoridade”. Embora, por óbvio, as circunstâncias fossem outras e seja necessária pequena adaptação no texto, penso que se aplica ao momento de transição vivido pela mídia no Brasil a ideia de que “o velho está morrendo e o novo apenas acaba de nascer. Nesse interregno, uma grande variedade de sintomas mórbidos aparece”. Ele nos adverte que um dos riscos, enquanto a transição não se completa, é esquecer que o velho resiste e sobrevive e está mais ativo do que nunca em defesa de seus antigos privilégios. E essa é uma verdade que tem diferentes e matizadas dimensões.
Perder de vista essa realidade significaria não só ignorar as lições do passado, mas também adiar possíveis consequências que, tudo indica, permitirão que a maioria excluída da população participe mais ativamente do processo político brasileiro e tenhamos, afinal, uma mídia mais democratizada.
BIBLIOGRAFIA
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GITLIN, T. Mídias sem limite: como a torrente de imagens e sons domina nossas vidas. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003.
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WATTENBERG, M. P. The decline of American political parties (1952-1992). Cambridge: Harvard University, 1994.
______. The rise of candidate-centered politics. Cambridge: Harvard University, 1991.
[1] Utilizo aqui a palavra tese no seu sentido etimológico, isto é, como “ato de pôr”, “proposição”.
[2] O primeiro texto que apresenta essas teses é “Sete teses sobre mídia e política no Brasil”, Revista USP — Dossiê Televisão, nº 61, mar-maio 2004, pp. 48-57; e o último, “Revisitando as sete teses sobre mídia e política no Brasil”, Comunicação & Sociedade, ano 30, nº 51, jan./jun, 2009, pp. 13-37.
[3] Essas definições, por óbvio, constituem uma simplificação.
[4] As representações da realidade feitas pela grande mídia compõem os diferentes Cenários de Representação (CR) que constituem a hegemonia nas sociedades media centric. Sobre o conceito de CR, cf. Lima (2004a) e, especificamente sobre o Cenário de Representação da Política (CR-P), cf. Lima (2004b).
[5] Valho-me aqui de reflexões anteriormente feitas por Thompson (1998) e Rubim (2002).
[6] Isso não significa que os partidos políticos estejam sendo substituídos ou excluídos pela grande mídia, mas, sim, que estão sendo por ela superados em muitas de suas funções tradicionais. Registre-se também que estamos nos referindo a um aspecto diferente da “partidarização” da grande mídia, que será tratada na tese CINCO.
Venício A. de Lima