Publicado em número 264 - (pp. 16-23)
Apresentando o Diretório nacional de catequese: Eixo propulsor do Ano Catequético
Por Pe. Luiz Alves de Lima, sdb
Introdução
A catequese, na tradição cristã, é a dimensão eclesial que se ocupa da transmissão e educação da fé. Tarefa tipicamente pedagógica, esteve durante séculos concentrada nas crianças e direcionada para a doutrina ou ensino cristão, marcado muitas vezes pela metodologia escolar. Nos últimos cinquenta anos, a catequese evoluiu bastante, acompanhando o ritmo da Igreja, que também se transformou profundamente.
No Brasil, a expressão dessas mudanças no âmbito catequético encontra-se no Diretório Nacional de Catequese (DNC) de 2006:[1] ele consolida princípios e orientações dos últimos 50 anos e abre novas perspectivas para os tempos atuais. O Ano Catequético, em 2009, pretende, entre outras coisas, operacionalizar ou estimular a prática das orientações do DNC. Aqui exporemos brevemente sua gênese e linhas de orientações.[2]
1. Origem e desenvolvimento do Diretório Nacional de Catequese
1.1. Antecedentes: a dimensão sociotransformadora da pastoral e da catequese
O Vaticano II aportou na América Latina principalmente por meio de Medellín, em 1968. Nos documentos da conferência, a catequese aparece influenciada por uma eclesiologia e cristologia que levam em conta os conflitos socioeconômicos, as situações sofridas dos pobres, e procura transmitir a palavra de Deus encarnada nas situações concretas das pessoas e das comunidades.
Fala-se da libertação do pecado e de suas consequências pessoais e sociais. Essa dimensão social e transformadora da catequese, como, em geral, de toda a pastoral, não foi isenta de críticas e contestações, dentro e fora da Igreja. Não faltaram tensões, polarizações e perseguições entre os anos 1960 e 1990.
No Brasil, a renovação da catequese, marcada por essa dimensão sociolibertadora, foi consagrada no documento da CNBB Catequese renovada, orientações e conteúdo (CR) de 1983:[3] valoriza-se a catequese com base na vida de fé da comunidade cristã, sendo esta considerada fonte, lugar e meta da catequese — perspectiva na qual a dimensão eclesial cresce sobremaneira. A Bíblia assume um lugar central, como um ministério da palavra de Deus, e torna-se o texto por excelência da educação da fé. A catequese, inspirada pela Dei Verbum, procura ser coerente com a pedagogia divina, ou seja, com os processos pelos quais Deus educa seu povo, com base na vida (dimensão histórica da revelação).
À luz dessa “encarnação da palavra de Deus”, a catequese tornou-se mais cristocêntrica. Desenvolveu-se o princípio de interação entre fé e vida, conferindo-lhe uma característica transformadora e libertadora. A opção preferencial pelos pobres apontou os destinatários principais e renovou conteúdos e metodologia daí decorrentes. A comunhão-participação é o eixo central que permeia a apresentação da mensagem num processo comunitário. Cresceu em relevância a figura do catequista, sua formação pessoal, teológica, espiritual e pedagógica. Dando importância à dimensão comunitária e à transmissão da fé bem por dentro da vida das pessoas, a catequese não poderia deixar de considerar os adultos como destinatários ou interlocutores privilegiados.
Nos anos 1980 e 1990, a reflexão catequética voltou-se para a inculturação das expressões da fé. O princípio metodológico da interação entre fé e vida, em geral ligada à dimensão sociopolítico-econômica, começou a considerar também a dimensão cultural, nas trilhas da nova evangelização inculturada, proclamada por ocasião dos 500 anos da primeira evangelização (Santo Domingo, 1992).
O advento do fim do milênio e a importância dada à pós-modernidade e ao movimento cultural consequente levaram a catequese a se preocupar com outros aspectos da educação da fé, como a afetividade, a valorização da espiritualidade e as exigências da catequese urbana. A crescente preocupação com os adultos como destinatários-interlocutores principais a fez envolver-se intensamente com esse tema, o que resultou na realização, em 2001, da 2ª Semana Brasileira de Catequese (SBC) com o lema: “Com adultos catequese adulta”. A mudança de terminologia, integrada no novo diretório, é proposital: não se fala de “catequese de adultos”, mas “com adultos”, para acentuar o protagonismo do leigo adulto no processo de educação da fé. Nesse campo surgiram novas experiências.
Toda essa conjuntura provocou a renovação da mentalidade catequética de bispos e presbíteros, coordenadores e catequistas. Contudo, muitos resistem a renovar a concepção de catequese ou mesmo dar-lhe a devida importância, permanecendo com a tradicional e arcaica ideia de que catequese é atividade destinada a “preparar crianças para a primeira comunhão”.
Por outro lado, a renovação catequética não foi nem está sendo uniforme e generalizada. Em vários lugares, persiste uma prática ligada ao velho modelo catequético doutrinal, com alguma renovação pedagógica. Mas, em termos de proposta ou marco teórico, o avanço tem sido constante e promissor.
1.2. A caminho de novas orientações para a catequese
a) Primeiros passos rumo a um diretório
Após a 2ª SBC, o Grupo Nacional de Reflexão Catequética (Grecat), que assessora a CNBB, começou a considerar a necessidade de uma reformulação e atualização da CR de 1983, que já havia completado 20 anos. O ritmo acelerado das transformações da sociedade, os apelos da Igreja, com a publicação do Catecismo da Igreja Católica (1992-1997), e principalmente o Diretório Geral para a Catequese (DGC, 1997) exigiam novos posicionamentos e perspectivas.
Nasceu assim a decisão de elaborar um diretório de catequese. Dada a extensão do Brasil e sua diversidade cultural, já tinha sido decidido não elaborar um catecismo nacional ou oficial (cf. CR 161). Seria mais eficiente e de acordo com a teologia da encarnação, traduzida no princípio de interação entre fé e vida, elaborar diretrizes gerais e deixar para cada região ou conjunto de regiões a confecção de um catecismo ou texto oficial de catequese.
No Grecat, em fins de 2001, surgiram as primeiras reflexões, a elaboração de critérios e esquemas, tendo em vista esse diretório. Desde o início, optou-se por seguir o esquema do DGC, adaptando-o à realidade brasileira, decisão mantida até o fim: o DNC deveria ser uma releitura brasileira do DGC.
Preparou-se um esquema bem amplo, em seis capítulos, correspondentes às cinco partes do DGC, com mais um no lugar da “Exposição introdutória”, que no DNC seria parte integrante do texto. Um anteprojeto, com as justificativas, motivações, critérios de redação, foi discutido e aprovado pela Assembleia da CNBB de 2002. Foram nomeadas as comissões de bispos, catequetas, liturgistas e teólogos para esse fim. Os trabalhos de redação do DNC foram presididos por D. Albano B. Cavallin, então arcebispo de Londrina (PR), que já tinha estado, em 1983, à frente da redação do documento CR.
b) Redações iniciais
Com o aval episcopal, iniciou-se o trabalho de redação. No Grecat distribuiu-se o trabalho entre os membros, que redigiram os seis capítulos individualmente. Essa primeira redação foi longamente analisada, criticada, discutida, emendada, retrabalhada, reescrita e refeita pela comissão redatora, por todo o Grecat, por biblistas, liturgistas, teólogos e outros estudiosos e catequistas.
O texto, já bem desenvolvido, em fevereiro de 2003, estava assim organizado: uma ampla “Introdução” e seis capítulos: I — “Visão pastoral da realidade”; II — “A catequese na missão evangelizadora da Igreja”; III — “A mensagem evangélica a ser transmitida”; IV — “A pedagogia de Deus e a pedagogia hoje”; V — “Os interlocutores da catequese”; VI — “A catequese na Igreja local”. Particular dificuldade apresentou o cap. III sobre a mensagem da catequese: os redatores queriam deliberadamente desenvolver mais o tema da Bíblia do que do Catecismo, uma vez que o DGC faz o inverso… Para o Brasil, seria importante insistir mais sobre a Bíblia do que sobre o Catecismo. Como veremos, as “observações romanas” pediram que fosse reconsiderado esse ponto. Por insistência de D. Albano, acrescentou-se um capítulo no início, com a síntese do movimento catequético até então, principalmente do documento CR: o novo DNC não deveria parecer uma ruptura, mas, sim, um processo de continuidade com o que havia sido feito antes na reflexão e na prática catequética.
Já com 7 capítulos e muitas contribuições, principalmente dos liturgistas, o texto foi apresentado à Assembleia de maio de 2003: os bispos tiveram contato, pela primeira vez, com uma redação completa do Diretório. O coordenador de redação, Pe. Luiz Alves de Lima, sdb, apresentando o texto nessa assembleia, disse que, a partir do Diretório Catequético Geral de 1971, se ampliou o conceito de diretório: “é como que um manual ou compêndio de catequética, com um complexo de princípios, critérios e diretrizes de natureza bíblico-teológica e metodológico-pastoral (…) pretende ter um caráter mais teológico-pastoral do que jurídico-normativo, apontando para a prática concreta da ação catequética. Nele encontramos, sobretudo, critérios inspiradores para a ação catequética e não tanto indicação de normas imperativas como poderia sugerir, talvez, a palavra diretório. Mais do que proporcionar fórmulas e normas imediatas para a catequese, o diretório esclarece sua natureza e finalidade”.[4]
c) Dois Instrumentos de Trabalho
Integrando emendas e sugestões, preparou-se a primeira edição do texto na forma Instrumento de Trabalho I, versão provisória, publicado em julho de 2003.[5] Foi amplamente divulgado e estudado por especialistas (teólogos, biblistas, liturgistas…), coordenadores e catequistas. Recebeu especial contribuição da Comissão Nacional de Liturgia, com a qual foram discutidos os conceitos de catequese, iniciação cristã, mistério, natureza sacramental da liturgia, catecumenato, símbolo na liturgia e na catequese, ritos, dimensão catecumenal da catequese, liturgia e celebrações litúrgicas, o significado e conteúdo do Rito de Iniciação Cristã de Adultos (Rica) etc.
Quando da posterior elaboração do Instrumento de Trabalho II (não publicado), acrescentou-se ao cap. IV, sobre a “mensagem a ser transmitida”, substanciosa parte sobre a liturgia, considerada fonte e vértice da vida cristã, permeando também toda a educação da fé. Portanto, conforme o DNC, a mensagem da catequese se encontra nestas três vertentes da palavra de Deus: Bíblia, liturgia e catecismo. Outra modificação significativa: o último capítulo foi dividido em dois. O novo cap. VII recebeu o título: “Ministério da catequese e seus protagonistas”, e o cap. VIII ficou com o título: “Lugares da catequese e sua organização na Igreja particular”.
Objeto de discussões e de tomada de posição foi a proposta de institucionalizar o ministério da catequese. Ao final, ficou acordado que “a institucionalização do ministério da catequese poderia ser sugerida pelo DNC, mas a decisão final ficaria por conta de cada diocese”[6].
Já com sua estrutura definitiva (duas partes, com quatro capítulos cada), o texto foi estudado na Assembleia de 2004. Novas críticas e contribuições foram feitas, as quais, integradas ao texto, foram publicadas com o título: A caminho do Diretório Nacional de Catequese. Instrumento de Trabalho III, versão provisória,[7] também com ampla divulgação e estudo. Os textos provisórios foram publicados para envolver o maior número possível de pessoas na sua elaboração.
d) Aprovação do DNC na Assembleia da CNBB
Elogios e questionamentos ainda surgiram das discussões na Assembleia de 2005. A equipe redatora analisou as 129 emendas e observações apresentadas, integrando-as no texto. A parte referente à revelação e palavra de Deus como fundamento da catequese (atuais nn. 19-28) sofreu modificações, com interpolação de textos da Dei Verbum. A descrição do catecumenato ficou mais de acordo com o Rica.
O texto foi votado no dia 15 de agosto de 2005, com a aprovação integral do DNC, sem nenhum voto negativo, apenas três votos em branco. Ao ser proclamado tal resultado, longo aplauso selou esse árduo trabalho, iniciado quatro anos antes.
e) As observações da Sé Apostólica. Reconhecimento e publicação
O texto, remetido à Congregação para o Clero, foi examinado minuciosamente e encaminhado para a Congregação para a Doutrina da Fé. Nas observações enviadas por essas duas congregações, não se fala em “aprovação”, mas, sim, em recognitio (reconhecimento). Afirma-se: “A Congregação para o Clero examinou com particular cuidado o texto em pauta, também considerando o fato de tratar-se do Diretório de uma grande e nobre Nação, para a qual muitas outras Igrejas latino-americanas olharão como viva atenção e interesse”.
Quanto aos aspectos positivos, reconhece-se o valor do texto, a fidelidade à doutrina da Igreja e, ao mesmo tempo, seu caráter de incentivo diante dos desafios atuais. Reconhece-se que o texto acolhe as indicações do DGC, até nos detalhes, e por isso merece um parecer positivo. Afirma-se que o DNC poderá dar grande impulso à autêntica evangelização e catequese se os responsáveis, nos vários níveis, tiverem a coragem e a força para assumir tão ricas orientações e traduzi-las em novas e renovadas opções.
Com relação ao cap. IV (“Catequese: mensagem e conteúdo”), observa-se que o DNC atribui papel tão central à Bíblia na catequese, que parece considerá-la única; assim, a tão falada qualidade de fonte da liturgia e, sobretudo, a afirmada presença do Catecismo da Igreja Católica e seu Compêndio aparecem mais como coexistentes do que como correlatos à Sagrada Escritura. Com palavras severas, dá-se a entender que, no Brasil, o Catecismo da Igreja Católica foi minimizado e por vezes, por aqui, se faz mau uso da Escritura…
Observa-se que a tradicional expressão brasileira: “Bíblia, livro por excelência da catequese” não é muito exata; outros episcopados a usaram, mas pondo entre aspas a palavra livro, para não dar a entender que podemos encontrar na Bíblia a totalidade do conteúdo da catequese. E cita-se Dei Verbum 9: “Não é através da Escritura apenas que a Igreja deriva sua certeza a respeito de tudo o que foi revelado […] a centralidade da Sagrada Escritura [no DNC] corre o risco de uma má compreensão de considerar a catequese [bíblica] como ‘autossuficiente’, isolando-a daquilo que o DGC chama de ‘outras fontes’”. Conclui-se pedindo que seja mais bem esclarecido no texto do DNC o nexo entre Bíblia e Catecismo da Igreja Católica.
Nas “observações particulares” são feitos comentários menores, no sentido de esclarecer melhor os conceitos, não deixando margem alguma para segundas interpretações. Fazem-se sugestões de interpolação de vários textos do Vaticano II ou do DGC. Pede-se que o texto sobre “leitura libertadora” seja harmonizado com os termos do DGC, como se encontra no n. 110 da versão publicada.
As observações da Congregação para a Doutrina da Fé foram mais pontuais, dando a motivação de cada mudança sugerida. Pede-se também a interpolação de textos do Vaticano II. As observações serviram, sem dúvida, para melhorar o texto, apurá-lo, torná-lo mais exato. Contudo, ao lado de maior alongamento do texto (que em si já era volumoso), a tão suspirada releitura brasileira do DGC ficou por vezes prejudicada, em favor de uma interpretação mais romana.
Em reunião da Comissão Episcopal com a equipe de redação, cada uma dessas observações foi avaliada, discutida e acatada. O texto refeito seguiu imediatamente para Roma, que logo o devolveu com a recognitio. Finalmente, o DNC foi lançado oficialmente em solenidade, no dia 25 de outubro de 2006.
Em sua apresentação, escreveu o então secretário geral da CNBB, D. Odilo Scherer: “O Diretório Nacional de Catequese é fruto de um grande trabalho de colaboração. Milhares de mãos o elaboraram ao logo de mais de três anos, por meio de um rico processo participativo. E a CNBB, em três Assembleias Gerais sucessivas, examinou e aperfeiçoou esse texto. Mesmo assim, o DNC não é um documento acabado, porque a catequese é dinâmica, criativa, atenta às necessidades, desafios e potencialidades do mundo e da Igreja”.
2. Algumas características marcantes do novo DNC
Ressaltemos agora os aspectos mais importantes do DNC que devem estar no centro da realização de nosso Ano Catequético de 2009.
2.1. Esquema e visão geral
O DNC mantém o esquema geral do DGC da Sé Apostólica, com adaptações à nossa realidade. Divide-se em duas partes:
a) Na primeira, de caráter mais de iluminação e reflexão, são tratados os fundamentos teológico-pastorais da catequese, a partir da renovação pós-conciliar. Essa primeira parte compõe-se de quatro capítulos: o cap. I apresenta as conquistas do recente movimento catequético brasileiro. O cap. II aprofunda o tema da revelação e catequese (corresponde à primeira parte do DGC); aí a catequese se apresenta bem dentro da missão evangelizadora da Igreja, como atividade de iniciação à fé: é o capítulo mais teológico e basilar do Diretório. O cap. III faz uma leitura da realidade brasileira e da História como lugares teológicos da manifestação de Deus (corresponde à “Exposição introdutória” do DGC). A mensagem e conteúdo da catequese são tratados no cap. IV, destacando-se a Bíblia, a liturgia e os catecismos.
b) A segunda parte, mais voltada para a prática, compõe-se também de quatro capítulos: o cap. V analisa a pedagogia catequética, tendo como fundamento a pedagogia divina, modelo da educação da fé pretendida pela catequese. Enumeram-se no cap. VI os destinatários, considerados como interlocutores no processo catequético. O cap. VII trata do ministério da catequese com seus protagonistas, principalmente os catequistas e sua formação; por fim, no cap. VIII, são analisados os lugares e a organização da catequese na Igreja local.
As adaptações à realidade brasileira, entre outras coisas, consistiram em acrescentar três capítulos às cinco partes do DGC. Aquilo que no DGC era simples “Exposição introdutória” tornou-se um capítulo importante no DNC (o terceiro), intitulado: “Catequese contextualizada: história e realidade”. De fato, para nosso Diretório, a realidade é o locus theologicus da manifestação da palavra de Deus (cf. cap. III, seção 1 com sua nota).
O DNC trata brevemente da educação religiosa escolar, falando apenas de sua diferença em relação à catequese na comunidade e apresentando a escola mais como lugar de anúncio evangelizador e de diálogo com outras religiões, credos e culturas do que propriamente como lugar de “educação da fé católica”, a qual tem seu espaço privilegiado no ambiente da comunidade eclesial. Preferiu-se situar o ensino religioso escolar no final do cap. II, que trata da natureza evangelizadora da catequese, justamente para falar da missão evangelizadora da escola (cf. DNC 54-58), principalmente da escola católica (DNC 57-58).
2.2. Catequese evangelizadora e cristocêntrica
O DNC inspira-se na renovação teológica e pastoral do Vaticano II e na caminhada pós-conciliar da Igreja no Brasil. O título do cap. II é sugestivo e significativo: “A catequese na missão evangelizadora da Igreja”. A catequese é considerada como parte desta única e grande missão eclesial do anúncio do evangelho e se põe a seu serviço.
Em tempos de cristandade, evangelizar significava anunciar o evangelho em terras estrangeiras. Hoje o desafio da Igreja é a evangelização do mundo, mesmo em territórios de antiga cristandade (cf. n. 29). Em muitos lugares vive-se em meio a culturas pagãs e às vezes pós-cristãs (cf. DGC 110; CT 57). Daí a necessidade de continuamente repropor a essência do evangelho, o querigma, o anúncio explícito de Jesus Cristo. Nos dias atuais, já não é suficiente o modelo de catequese típico da Igreja de cristandade, quando as famílias e a própria sociedade favoreciam a iniciação à vida cristã. Não existindo mais esse “contexto cultural cristão”, é necessário retornar ao anúncio explícito do evangelho.
Como um segundo momento em relação ao primeiro anúncio, a catequese precisa assumir as características da evangelização, seu ardor missionário, o núcleo querigmático, tornando-se uma catequese evangelizadora: “a atividade da Igreja, de modo especial a catequese, traduz sempre a mística missionária que animava os primeiros cristãos. A catequese exige conversão interior e contínuo retorno ao núcleo do evangelho (querigma), ou seja, ao mistério de Jesus Cristo em sua Páscoa libertadora, vivida e celebrada na liturgia” (DNC 33). Catequese em seu sentido específico de aprofundamento da mensagem cristã (catequese doutrinal) só tem sentido quando essa mesma mensagem for acolhida como alegre anúncio que impulsiona a pessoa em direção a maior conhecimento e opção por Jesus Cristo: é o cristocentrismo de toda a catequese.
2.3. Sagrada Escritura como “livro” de catequese por excelência
A catequese renovada pelo Vaticano II baseia-se na palavra de Deus, manifestada na Tradição (Bíblia, liturgia, santos padres, catecismos…). O DNC reafirma a antiga expressão: a Bíblia é o “livro por excelência” da catequese e a comunidade cristã, o ambiente onde o catequizando ou o catecúmeno devem crescer e viver a fé. As observações vindas de Roma chamaram a atenção para o fato de que o livro da catequese deveria ser propriamente o Catecismo, e não a Bíblia (cita a DV 9: cf. acima, I, 2, e). No DNC 107, a expressão está entre aspas, como foi pedido.
Tal preocupação, se por um lado se inscreve dentro da polêmica antiprotestante, por outro é muito justa em ambientes onde as Escrituras já são suficientemente conhecidas, e então o Catecismo se torna o livro de aprofundamento daquilo a que, apenas com as Escrituras, não se pode ter acesso — ou seja, de tudo aquilo que foi revelado, conforme DV 9 já citada. Contudo, num ambiente que exige forte evangelização, nova evangelização ou reevangelização, como é o nosso caso (e o de outros países de antiga cristandade!), a Bíblia ocupa o primeiro lugar, à frente e acima dos catecismos. O melhor texto de catequese (ou catecismo) é aquele que orienta para o contato direto com a palavra de Deus.
2.4. Iniciação cristã e catequese de inspiração catecumenal
O importante papel da catequese de iniciar os cristãos nos mistérios da fé, juntamente com a liturgia, por meio de sério e profundo catecumenato, foi absorvido pelas famílias cristãs e pela sociedade cristã ao longo da História. Foram os longos séculos do catecumenato social. Nesse contexto, a catequese permaneceu apenas com a função doutrinal, a qual exercia dentro do grande quadro da iniciação cristã.
Superando esse conceito estreito de catequese, o DNC assume, com o DGC, a dimensão catecumenal como inspiradora de toda a catequese. Mais do que a tradicional dimensão racional ou doutrinal da fé, a catequese torna-se experiencial, celebrativa, orante. Dá importância aos símbolos e aos progressivos e graduais passos na fé, apresentando assim as características de um processo iniciático: iniciação aos mistérios da fé. O DNC, seguindo o DGC, assume o catecumenato batismal dos inícios do cristianismo como modelo de toda e qualquer catequese. Tal dimensão catecumenal e iniciática não é apenas para catecúmenos (adultos, jovens ou crianças que se preparam para o batismo), mas também para catequizandos: batizados adultos, jovens e crianças que necessitam de uma reiniciação à fé ou mesmo necessitam completar a própria iniciação.
O Rica, livro litúrgico, é indicado como auxiliar da dimensão catecumenal da catequese. Assim, ao logo de todo o DNC, é proposta íntima união com a liturgia: é necessário retornar a essa inseparável ligação que havia entre catequese e liturgia no catecumenato primitivo. Essas duas dimensões, que, durante séculos, estiveram separadas, precisam voltar a se reunir no esforço conjunto de proporcionar séria e profunda iniciação cristã aos nossos destinatários ou interlocutores. Tal consciência, já presente entre catequetas e liturgistas, cresceu sobremaneira ao longo da redação do DNC.
2.5. Com adultos, catequese adulta numa Igreja adulta
Esse tema, já presente no Brasil nos últimos trinta anos, foi plenamente assumido pelo DNC. A catequese aí descrita está voltada preferencialmente para adultos e jovens: as crianças são queridas e bem-vindas à catequese, mas a atenção principal das forças catequéticas da Igreja deveriam se voltar para tantos adultos batizados, mas não evangelizados, nem suficientemente iniciados na fé. O objetivo da catequese não são apenas os sacramentos, mas a vida cristã, dentro da qual os sacramentos têm sentido, principalmente para os adultos. Seguindo o DGC, na apresentação dos destinatários ou interlocutores, em primeiro lugar são nomeados os adultos; ao longo do documento, todas as vezes que se fala da catequese evolutiva (conforme as idades), sempre se segue esta ordem: adultos, anciãos, jovens, adolescentes, pré-adolescentes e crianças.
Essa opção da catequese defronta-se continuamente com o problema metodológico, que, ao fim e ao cabo, se torna também um problema de conteúdo. Com adultos, é necessário fazer uma catequese adulta, que leve em conta sua adultícia, maioridade, autonomia, independência e, sobretudo, sua situação de leigos/as. A catequese com adultos terá frutos se também ela for adulta, superando o crônico infantilismo religioso, fruto do paternalismo e do clericalismo, e orientando para a maturidade em Cristo, o que ajudará o crescimento de uma Igreja adulta na fé.
2.6. Importância da pessoa do catequista e sua formação: o ministério da catequese
O DNC privilegia o catequista e insiste em sua cuidadosa formação. Uma de suas partes mais desenvolvidas é o cap. VII, dedicado ao ministério da catequese. Fala-se nele das diversas responsabilidades na Igreja, desde as comunidades, as famílias… até a figura do bispo, o catequista por excelência. A parte dedicada ao catequista leigo e à sua formação é a mais bem desenvolvida. Entre tantos aspectos tratados, evidencia-se a formação pessoal do catequista como discípulo e missionário de Jesus Cristo (tema de Aparecida), sua missão de testemunha, sobretudo sua espiritualidade bíblica e eclesial. Insiste-se bastante na necessária formação catequética do clero e dos futuros presbíteros.
No final dessa parte, o DNC propõe a instituição do “ministério do catequista” para os que são “reconhecidamente eficientes como educadores da fé de adultos, jovens e crianças e estão dispostos a se dedicarem por um tempo razoável à atividade catequética na comunidade”. Tal reconhecimento do trabalho do catequista como um ministério formalmente conferido visa valorizar, na comunidade, o esforço dos educadores/as da fé. Houve resistências, também porque o DGC não dá acolhida a esse ministério formalmente conferido.[8] O DNC, restringindo bastante, diz que tal ministério “pode ser conferido oficialmente” (DNC 245); ou seja, é uma decisão das Igrejas particulares, avaliadas as circunstâncias.
2.7. Uma catequese libertadora e encarnada na História
O documento CR, dos anos 1980, tinha um caráter marcadamente socioantropológico, voltado para a situação de pobreza econômica do povo e para a situação sociopolítica. O atual DNC, surgido noutro contexto, não tem certamente as mesmas perspectivas tão acentuadas. Entretanto, o modelo de catequese que apresenta é bastante encarnado na História e com aquela mesma dimensão antropológica que tanto caracteriza o pensamento e práxis pastoral latino-americana.
Jesus sempre é apresentado em seu amor misericordioso para com os pobres e humildes; sua pedagogia, seu “acolhimento às pessoas, preferencialmente aos pobres, pequenos, excluídos e pecadores”, são exemplo para a catequese (DNC 141a); a opção pelos pobres é muitas vezes lembrada (n. 13f-1, 51, 89, 92, 103-104), assim como a “leitura libertadora” da Bíblia (n. 113). Estão presentes outras categorias de pobres: presos, soropositivos, toxicodependentes, prostitutas, sem terra, marginalizados urbanos etc. (n. 209), assim como as realidades sofridas do nosso povo, como o medo, a insegurança (n. 213), a luta pela sobrevivência, o anonimato, a solidão (n. 214).
A célebre proposta de Medellín, afirmando que “as situações históricas e as aspirações autenticamente humanas fazem parte do conteúdo essencial da catequese” (8,6), está citada no DNC, conforme sua releitura feita pelo DGC 117: “Na catequese bíblica, se ajudará a interpretar a vida humana atual à luz das experiências vividas pelo povo de Israel, por Jesus Cristo e pela comunidade eclesial, na qual o Espírito de Cristo ressuscitado vive e opera continuamente” (DNC 86, citando também CR 74).
Conclusão: por uma catequese evangelizadora, de feição catecumenal
O DNC não rompe com o passado, mas, em continuidade com CR, procura considerar outras perspectivas. Apresenta novo paradigma, na verdade tão antigo quanto a Igreja: uma catequese profundamente cristocêntrica, experiencial, litúrgica, orante, ou seja, com dimensão catecumenal.
Por uma série de motivos históricos, a catequese chegou até nós marcada pela dimensão doutrinal, cuja expressão máxima foi a era dos catecismos (entre Trento e o Vaticano II). Vale dizer que esses textos, que tanto influenciaram beneficamente a catequese nos últimos cinco séculos, são importantes, mas não esgotam as dimensões do processo catequético. A educação da fé vai além do conhecimento das formulações da fé, sintetizadas nos catecismos. Portanto, o Catecismo da Igreja Católica e seu Compêndio são instrumentos privilegiados, mas traduzem apenas a dimensão do conteúdo doutrinal; o grande desafio é levar o catecúmeno e o catequizando ao verdadeiro “conhecimento” (no sentido joanino), isto é, à verdadeira experiência de Deus, de Cristo, da Igreja, dos sacramentos, da vida cristã. Para isso, o mais importante é o contato vivo com a palavra de Deus transmitida nas Escrituras, na vida concreta da Igreja, no testemunho dos cristãos, principalmente do catequista e de sua comunidade.
Muitos catequistas se esforçam por transmitir a doutrina dos catecismos a pessoas que não tiveram nem um primeiro contato ou encontro com Jesus e sua mensagem salvadora. Daí dizer que a evangelização precede a catequese, ou melhor, que toda e qualquer catequese deve ser evangelizadora e missionária. Tal mudança de concepção da natureza da catequese é nosso maior desafio: hoje esta precisa assumir as características da evangelização, tanto em sua dimensão de conteúdo (isto é, o querigma, o anúncio essencial do evangelho) como em sua metodologia (o testemunho direto de vida, o ardor missionário, a experiência litúrgica e celebrativa). Essas opções foram todas assumidas, retificadas e corroboradas no Documento de Aparecida (cf. nn. 286-300).
[1] CNBB. Diretório Nacional de Catequese. Brasília: CNBB, 2006, 224 p. (Publicações da CNBB, 1.) ou São Paulo: Paulinas, 2006, 288 p. (Documentos da CNBB, 84.) O espaço de tempo decorrido entre a aprovação da CNBB e sua publicação se explica pela demora da Sé Apostólica em apresentar suas “observações” e seu recognitio, o que fez 13 meses depois.
[2] Para maior documentação do que aqui se afirma, pode-se consultar: Luiz Alves de Lima. Gênese e desenvolvimento do Diretório Nacional de Catequese. Revista de Catequese, São Paulo, ano 29, nº 116, pp. 6-25, out.-dez., 2006; IDEM. Novos paradigmas para a catequese no Brasil. Revista de Catequese, São Paulo, ano 30, nº 117, pp. 6-17, jan.-mar., 2007.
[3] CR está bem sintetizada no cap. I do DNC, nn. 12-14. Sobre CR, pode-se consultar também: Luiz Alves de Lima. Catequese Renovada: 20 anos. Notas históricas. Vida Pastoral, São Paulo, ano XLIV, nº 232, pp. 3-8, set.-out., 2003.
[4] Cf. Luiz Alves de Lima. “Apresentação da 1ª redação do Diretório Nacional de Catequese”. Revista de Catequese, São Paulo, ano 26, nº 102, abr.-jun., 2003, pp. 55-56.
[5] Cnbb. Diretório Nacional de Catequese: Instrumento de Trabalho I. Versão provisória. Brasília: Centro de Pastoral Popular, 2003.
[6] Cf. Luiz Alves de Lima. “Estágio atual da redação do Diretório”. Revista de Catequese, São Paulo, ano 27, nº 105, jan.-mar., 2004, p. 51.
[7] Cf. Cnbb. A caminho do Diretório Nacional de Catequese. Instrumento de Trabalho III, Versão provisória. Brasília: Centro de Pastoral Popular, 2004.
[8] Trata-se da nota 55 do n. 50 do DGC. Entretanto o mesmo DGC afirma no n. 221: “Ainda que toda a comunidade cristã seja responsável pela catequese, e ainda que todos os seus membros devam dar testemunho da fé, somente alguns recebem o mandato eclesial de ser catequistas. […] A Igreja confere oficialmente a determinados membros do povo de Deus, especificamente chamados, a delicada missão de transmitir a fé no seio da comunidade”. As últimas palavras são ressaltadas no n. 245 do DNC com grifo.
Pe. Luiz Alves de Lima, sdb