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Publicado em número 252 - (pp. 3-5)

Conferências-gerais do episcopado Latino-americano e do Caribe

Subsídio preparatório à V Conferência do Episcopado Latino-Americano

 (Reproduz-se abaixo a introdução do livro Documentos do Celam — oitavo volume da série “Documentos da Igreja” — preparada pelo Cardeal Aloísio Lorscheider.)

 

1. As quatro conferências-gerais do Episcopado Latino-Americano e do Caribe marcaram a Igreja na América Latina, dando-lhe um rosto muito próprio e bem definido.

 

2. A primeira dessas conferências realizou-se no Rio de Janeiro de 25 de julho a 4 de agosto de 1955. Encontramo-nos numa fase pré-conciliar. As preocupações maiores dessas conferências foram os problemas da Igreja ad intra: a escassez de sacerdotes; a ignorância religiosa do povo; as missões entre os infiéis.

O diálogo com o mundo de hoje, a Igreja ad extra, praticamente não aparece. Havia muita preocupação com a defesa da fé. Tratava-se de uma Igreja voltada sobre si mesma. A preocupação social vai na linha de uma constatação: muita riqueza no continente, nem todos desfrutando de fato desse rico tesouro, sobretudo os que mais sofrem são os trabalhadores do campo e da cidade. Há rápido processo de industrialização. A Igreja deve influir no mundo econômico-social pela iluminação, educação, ação. Acentua-se a importância da doutrina social da Igreja. Tarefa especial e insubstituível cabe ao laicato católico.

Há também nesse documento insistência sobre a população indígena, só que numa visão diferente da atual. Preocupam-se com que o indígena se incorpore com honra no seio da verdadeira civilização. O índio visto como ser primitivo!

A decisão mais importante dessa conferência foi o pedido dirigido ao Papa Pio XII para se criar um organismo que pudesse unir mais as forças da Igreja na América Latina. É aí que surgiu a ideia do Celam (Conselho Episcopal Latino-Americano). O Papa aprovou o pedido em 2 de novembro de 1955.

 

3. A II Conferência-Geral do Episcopado Latino-Americano realizou-se em Medellín (Colômbia) de 26 de agosto a 4 de setembro de 1968. Essa conferência deu-nos 16 documentos. Constitui uma releitura do Vaticano II para a América Latina e o Caribe.

No documento Justiça, 3, já encontramos a palavra-chave que marcará Medellín, a palavra libertação: é o mesmo Deus que, na plenitude dos tempos, envia seu Filho para que, feito carne, liberte a todos os homens de todas as escravidões a que os sujeitou o pecado: a fome, a miséria, a opressão e a ignorância, em uma palavra, a injustiça e o ódio que têm sua origem no egoísmo humano.

A característica de Medellín é marcada pela situação de um mundo subumano. A visão do Vaticano II foi uma visão otimista e a palavra-chave era desenvolvimento, como fica claro na Carta Encíclica de Paulo VI Populorum Progressio: o desenvolvimento individual e solidário da humanidade. Em Medellín, a teologia do desenvolvimento e da promoção humana cede lugar à teologia e pastoral da libertação. É a descoberta do sub-mundo dos pobres, dos países pobres, que é a maioria da humanidade, e pobres devido a uma situação de dependência opressora que gera injustiça. Impõem-se com a conversão da criatura humana às mudanças estruturais. Não teremos um continente novo sem novas e renovadas estruturas, e sobretudo não haverá continente novo sem homens novos que, à luz do evangelho, saibam ser verdadeiramente livres e responsáveis (Med 1,3).

Essa libertação evangelizadora é vista mais tarde em Puebla em dois elementos complementares e inseparáveis: a libertação de todas as servidões do pecado pessoal e social, de tudo o que afasta o ser humano e a sociedade e tem sua fonte no egoísmo, no ministério da iniquidade; e a libertação para o crescimento progressivo no ser, pela comunhão com Deus e com os homens, que culmina na perfeita comunhão do céu, onde Deus é tudo para todos e não haverá mais lágrima (cf. Puebla, 482).

O ponto alto da pastoral libertadora da Igreja encontra-se na clara e profética opção preferencial e solidária pelos pobres. É uma opção pelo “ser mais” e não pelo “ter mais”.

A cultura contemporânea vem marcada pelo consumismo. É a nova filosofia de vida que, dia a dia, se torna mais envolvente e englobante. O consumismo está estreitamente ligado ao progresso quantitativo, em que constituem lei o lucro, a produção, o ter mais”, a concorrência desenfreada. O consumismo é uma filosofia de vida que coloca o ser humano numa espiral de despersonalização, tornando-o vítima do puramente material. O ser humano materializa-se. O ser humano vive em função das coisas e não mais em função da pessoa. Há uma disfunção total dentro da sociedade.

Os documentos mais marcantes de Medellín são Justiça, Paz, Pobreza da Igreja.

 

4. A III Conferência-Geral do Episcopado Latino-Americano realizou-se em Puebla de Los Angeles (México) de 27 de janeiro a 13 de fevereiro de 1979. Situa-se numa linha de continuidade com Medellín. Base de toda a reflexão foi a Exortação Apostólica Evangelii Nuntiandi de Paulo VI de 8 de dezembro de 1975. Como Medellín foi uma releitura do Vaticano II para a América Latina e o Caribe, assim Puebla foi uma releitura da Evangelli Nuntiandi.

O tema de Puebla foi a evangelização no presente e no futuro da América Latina. A grande questão: qual o mundo que a Igreja deve evangelizar? Com que mundo a Igreja, em nome do evangelho, se deve comprometer? Em outras palavras, como atuar pastoralmente na América Latina em total fidelidade ao evangelho? Quais os critérios e as linhas de uma verdadeira e autêntica evangelização para a América Latina? Quais as opções pastorais fundamentais para que o evangelho seja um acontecimento atual e presente com toda a sua vitalidade e força original?

Na época em que se realizava Puebla, o mais urgente desafio era a defesa ou proclamação da dignidade da pessoa humana, a proclamação dos direitos fundamentais da pessoa humana na América Latina, à luz de Jesus Cristo. Nessa época, devido à ideologia da segurança nacional difundida em vários países latino-americanos, sentia-se a necessidade dessa defesa e proclamação porque os direitos fundamentais da pessoa humana eram constantemente postergados e transgredidos. Essa atitude adotada por essa ideologia tinha o apoio de uma mentalidade individualista que, na América Latina, leva constantemente ao desrespeito do ser humano em sua dignidade de imagem e semelhança divina, de filiação divina. Por isso, uma evangelização em comunhão e participação para que o ser humano possa ser mais humano, à luz de Jesus Cristo.

A parte mais importante do documento de Puebla é a IV Parte, em que, além da opção preferencial pelos pobres, da opção preferencial pelos jovens e da ação da Igreja junto aos construtores da sociedade pluralista na América Latina, se trata de modo muito especial dos direitos fundamentais do ser humano, dos direitos individuais, dos direitos sociais e dos direitos emergentes, sendo arrolados também alguns direitos de índole internacional.

Em toda a reflexão pastoral de Puebla, busca-se a comunhão e a participação na Igreja e na sociedade para se chegar à verdadeira e autêntica libertação.

O modelo da ação evangelizadora para Puebla é o das comunidades eclesiais de base. A nova responsabilidade da América Latina é o aprofundamento da fé. Fé mais operativa, sobretudo por meio da família, da juventude, das comunidades eclesiais de base, sempre animadas pela mentalidade missionária. Nesse esforço eclesial pede-se um diálogo permanente com as culturas vivas do continente latino-americano e com a nova civilização que se vai formando pelo fluxo do mundo técnico-científico.

 

5. A IV Conferência-Geral do Episcopado Latino-Americano realizou-se em Santo Domingo (República Dominicana) de 12 a 28 de outubro de 1992.

Santo Domingo, em continuidade com Medellín e Puebla, significou um novo passo. Se em Medellín a palavra-chave era libertação, em Puebla, comunhão e participação, em Santo Domingo era inculturação. Santo Domingo dá atenção especial à promoção humana — e isto a pedido do próprio Papa João Paulo II —, devido à necessidade de todos se sentirem e agirem como “gente”. A vivência da cidadania é requisito para uma efetiva comunhão e participação libertadora. E, para que haja uma autêntica promoção humana, é preciso ter em conta as diferentes culturas presentes na América Latina e no Caribe — nessa conferência se começou a marcar, junto com a América Latina, o Caribe. Nas diferentes culturas latino-americanas e caribenhas começa a impor-se nova cultura. É a cultura presente nos meios de comunicação social, na mentalidade fortemente reinante no espírito urbano-industrial, e que perpassa todas as camadas da sociedade. Tal cultura não é fácil de definir, mas caracteriza-se por um espírito técnico-científico. É um espírito perpassado de uma mentalidade científica, matemática, que vai determinando mais e mais o agir das pessoas. É um espírito calculista, explorador dos recursos da natureza, e que, ligado à funcionalidade das pessoas no atual mundo urbano, desumaniza e despersonaliza as criaturas humanas, tornando-as meros robôs. É um espírito secularista, sem nenhum referencial transcendental, criando uma cultura de morte no mundo contemporâneo. Ora, todo esse espírito complexo, em contato com as várias culturas não urbanas nem técnicas nem científicas, cria um hibridismo esquizofrênico provocador de muitas anomalias psicológicas na atual sociedade humana.

É nesse difícil panorama que se coloca Santo Domingo. Acresce ainda o aspecto histórico. Em 12 de outubro de 1992, dia em que se abriu a IV Conferência-Geral, encontramo-nos diante de duas realidades: uma, a celebração dos 500 anos desde a chegada dos europeus à América Latina e, outra, a reflexão em vista de uma ação evangelizadora para o próximo futuro.

A celebração tornou-se muito complexa. Não estava claro o que se iria celebrar: uma invasão, uma ocupação ou uma evangelização?

E como deveria ser o caráter dessa celebração? Penitencial ou eucarística? Mais penitencial do que eucarística ou mais eucarística do que penitencial?

O documento de Santo Domingo saiu muito confuso. Não houve tempo de dar-lhe uma redação final coerente. Como parte principal desse documento ficaram as linhas prioritárias de pastoral, colocadas ao final no documento. Houve um compromisso para trabalhar em:

— uma nova evangelização dos povos latino-americanos e caribenhos;

— uma promoção integral desses povos;

— uma evangelização inculturada.

 

Indicam-se, finalmente, os elementos que devem impulsionar e concretizar essas três linhas pastorais principais.

Com a I Conferência deu-se início ao Celam (Conselho Episcopal Latino-Americano); com a II Conferência deu-se o aspecto pastoral fundacional para a nossa Igreja na América Latina, acentuando a libertação a partir de uma situação opressora, gerando uma violência institucionalizada; com a III Conferência-Geral, buscando a comunhão e a participação em vista da libertação, colocou-se a evangelização na América Latina sob o signo da dignidade humana fundamental; com a IV Conferência-Geral, deu-se um passo decisivo rumo à inculturação, a um evangelho inculturado, em nossas Igrejas.

Não há dúvida de que, em todas essas fases, o Espírito Santo mostrou sua presença atuante e vivificadora.