Roteiros homiléticos

7 de dezembro – 2º DOMINGO DO ADVENTO

Por Celso Loraschi

Preparai o caminho do Senhor

I. Introdução geral

Os textos bíblicos da liturgia deste 2º domingo do Advento são uma convocação à mudança de vida. O povo de Israel, em pleno exílio da Babilônia, faz a experiência da misericórdia de Deus, que, por meio do profeta Isaías, se revela como aquele que perdoa toda iniquidade e cuida com carinho de cada um de nós. A certeza do perdão e do cuidado de Deus traz consolo, revigora as forças e projeta novo futuro para o povo (I leitura). João Batista, o precursor de Jesus, prepara-lhe o caminho, “proclamando um batismo de arrependimento para a remissão dos pecados”. O seu testemunho pessoal indica o verdadeiro modo de preparar-se para a vinda de Jesus: viver humildemente, anunciando a grandeza e a bondade do Senhor (evangelho). Jesus é o amor de Deus que se fez carne para a salvação de toda a humanidade. Ele usa de paciência para conosco e “não quer que ninguém se perca, mas que todos venham a converter-se”. Esse tempo histórico em que vivemos pode transformar-se em tempo de salvação (II leitura). São palavras que nos encorajam a renovar a confiança no amor misericordioso de Deus e a reconduzir nossos passos no caminho do bem e da vida plena.

II. Comentário dos textos bíblicos

1. I leitura (Is 40,1-5.9-11): Consolai, consolai meu povo

Esse texto corresponde ao início da profecia de Isaías Segundo (Is 40-55). É um movimento de animação da esperança, suscitado por Deus, no meio do povo exilado na Babilônia, ao redor do ano 550 a.C. Com entusiasmo poético, o profeta anuncia novo êxodo: o povo de Israel será libertado e reintroduzido à terra que Deus concedera aos antepassados. Assim como o clamor do povo escravizado no Egito chegou aos ouvidos do Senhor, também o sofrimento do povo exilado é conhecido por Deus. O profeta avalia-o como um sofrimento expiatório. Deus acolhe e apaga toda culpa. Na sua bondade, perdoa-lhes todos os pecados e os livra de todo mal.

Assim como no primeiro êxodo Deus havia libertado os escravos das mãos dos opressores egípcios e os conduzido à terra prometida, também agora ele os livrará da opressão da Babilônia e os conduzirá à sua pátria. Assim como no primeiro êxodo o deserto constituiu caminho de libertação para o povo, guiado pelo próprio Deus, também agora serão conduzidos pela mesma mão divina. Toda barreira será vencida e toda dificuldade transposta. No horizonte: um tempo de bênçãos.

O Senhor vem ao encontro do seu povo como o pastor em busca de suas ovelhas. Ele as reúne, tomando no colo as que necessitam ser carregadas. Deus é o resgatador da vida ameaçada e o cuidador das pessoas enfraquecidas e indefesas. Nisto consiste a sua glória: a vida do povo.

Teologicamente, esse segundo êxodo aponta para um horizonte ilimitado, a libertação em plenitude. Ela acontecerá com a vinda de Jesus Cristo, o Emanuel – “Deus conosco”. Como em terceiro e definitivo êxodo, ele nos põe em marcha, na certeza não apenas das libertações históricas, mas da salvação eterna. O Advento é tempo de vencer as resistências e pôr-se em caminhada, celebrando a presença salvadora de Deus.

2. Evangelho (Mc 1,1-8): Preparai o caminho do Senhor

Marcos apresenta o “princípio do evangelho de Jesus Cristo” – o alegre anúncio do Filho de Deus que assumiu a condição humana. A palavra “princípio” vai além do sentido cronológico. Indica nova origem, novo tempo inaugurado por Jesus. Ele vem para dar início à nova criação. João Batista é o mensageiro que vem preparar-lhe o caminho.

De acordo com a tradição judaica, o Messias seria precedido por Elias (cf. Ml 3,23). Marcos respeita essa tradição, apresentando João Batista como o novo Elias. Sua missão é comprovada por meio da citação de dois textos da Primeira Aliança (Ml 3,1 e Is 40,3). Sua mensagem é ousada; ele fala no mesmo espírito de Elias. É verdadeiramente um profeta. E até “mais do que um profeta”, como dirá Jesus (Lc 7,26). Sua pregação no deserto corresponde ao anúncio de um tempo de graça e libertação. O deserto, na história de Israel, constituiu lugar teológico da manifestação de Deus tanto no primeiro como no segundo êxodos (cf. comentário da I leitura); constituiu caminho pedagógico de conversão do povo ao projeto de Deus. Também agora, com João Batista, o “deserto” é o espaço/tempo de arrependimento e de conversão. A intervenção salvadora de Deus vai se dar por meio do seu Filho, Jesus Cristo.

O batismo de João indica o início de novo movimento que será levado à plenitude por Jesus. Enquanto João batiza com água, Jesus batizará com o Espírito Santo. O batismo de João está associado à confissão e ao perdão dos pecados. A imersão na água constituía rito purificatório com consequente transformação do coração, conforme se percebe nas palavras do profeta Ezequiel: “Borrifarei água sobre vós e ficareis puros; sim, purificar-vos-ei de todas as vossas imundícies e de todos os vossos ídolos imundos. Dar-vos-ei coração novo, porei no vosso íntimo espírito novo, tirarei do vosso peito o coração de pedra e vos darei coração de carne” (Ez 36,25-26).

João Batista deve ter causado profunda impressão aos olhos dos que o conheceram. Vários se fizeram seus discípulos. Chegou a ser considerado o Messias esperado. O texto de Marcos corrige essa concepção. O Messias é Jesus. Seu batismo é com o Espírito Santo, isto é, sua prática é produzida de acordo com a dinâmica eficaz do Espírito Santo. Ele vem combater todas as forças demoníacas. Diante dele, João Batista apresenta-se como um servo indigno de desatar-lhe as correias das sandálias. Jesus é “mais forte”. Percebe-se aqui o eco das palavras de Isaías (9,5): “Um menino nos nasceu, um filho nos foi dado, ele recebeu o poder sobre seus ombros, e lhe foi dado este nome: Conselheiro-maravilhoso, Deus-forte, Pai-para-sempre, Príncipe-da-paz”.

A atitude de humildade e de serviço de João Batista diante de Jesus torna-se modelo e caminho para todos os que desejam celebrar o Natal de uma maneira coerente com a fé cristã. O convite que nos é lançado é de mudança de vida. “Dobrar-se” perante Jesus é não desperdiçar a graça da salvação que entra definitivamente na história humana.

3. II leitura (2Pd 3,8-14): Para que ninguém se perca

A segunda carta de Pedro pode ser considerada um “testamento”. Atribuída ao apóstolo Pedro, oferece conselhos às comunidades cristãs espalhadas pelo império romano no início do segundo século, orientando-as para viverem na fidelidade à tradição apostólica. Diversas situações estão desencorajando os cristãos a permanecer na fé que receberam das primeiras testemunhas da vida e da proposta de Jesus.

Uma dessas situações diz respeito à fé na segunda vinda de Jesus. A expectativa da iminência da sua volta já não é tão grande. Um grupo de pregadores trata da questão com zombaria, dizendo: “Não deu em nada a promessa de sua vinda... Tudo continua como desde o princípio da criação” (3,4). O texto deste domingo rebate as ideias desses falsos pregadores. Argumenta que não é uma questão a ser medida pela lógica humana. Os cálculos humanos não conseguem penetrar os desígnios divinos. Seus pensamentos e seus caminhos não são os nossos (cf. Is 55,8-9). A atitude a ser tomada é de nos abandonar, com toda a confiança, ao plano salvador de Deus.

O texto reafirma a volta de Jesus numa nova dimensão de tempo: “Para o Senhor, um dia é como mil anos e mil anos como um dia”. O tempo aqui é entendido em seu sentido “cairológico”. Este tempo cronológico, tão fugaz, pode se transformar em cairológico, propício para acolher a salvação que Deus nos oferece gratuitamente. O tempo do relógio é a oportunidade que Deus nos dá para entrarmos na dinâmica do “tempo eterno”. Deus usa de muita bondade e paciência para conosco “porque não quer que ninguém se perca, mas que todos venham a converter-se”. A primeira carta a Timóteo (2,4) completa: “Ele quer que todos se salvem e cheguem ao conhecimento da verdade”. O nosso empenho cotidiano, portanto, não é fantasiar sobre quando ou como será o fim do mundo e a volta de Jesus, mas viver na santidade e na justiça, contribuindo para que já neste mundo seja concretizada a sua proposta de vida em abundância, conforme anunciada no evangelho.

III. Pistas para reflexão

- Sempre a caminho. Deus se revelou na história do povo de Israel em caminhada pelo deserto. Também suscitou a esperança do povo exilado na Babilônia, anunciando-lhe novo êxodo. Jesus se tornou o caminho para todas as pessoas que nele acreditam. Nós também somos peregrinos neste mundo, sempre em caminhada. Todos nos encontramos na condição de êxodo, isto é, em caminho para uma vida sempre melhor: mais justa, mais fraterna, mais santa... Nesta caminhada, temos a certeza de “Deus conosco”. Ele nos educa, orienta, perdoa, encoraja... Ele cuida de cada um de nós como o pastor cuida de suas ovelhas, carregando no colo as mais frágeis. Preparar-se para o Natal é fazer o êxodo pessoal, familiar e comunitário: mais bondade, mais sinceridade, mais atenção, mais justiça, mais amor, mais fé, mais esperança, mais... Isso implica menos correrias, menos consumismo, menos...

- Aos pés de Jesus. João Batista preparou-se para a vinda de Jesus por meio de uma vida simples. Deu testemunho de humildade e serviço. Sentiu-se indigno de ser um escravo de Jesus para desatar-lhe as correias das sandálias. Sua vida foi uma denúncia contra o consumismo e a busca de poder. Sua pregação visava à confissão dos pecados, à conversão e ao perdão divino. O batismo era o sinal externo da disposição interna de purificação e mudança de vida. Preparar-se para o Natal do Senhor é prestar atenção na vida e na mensagem de João Batista. É renovar as promessas do nosso batismo. É “dobrar-se” aos pés de Jesus e renunciar a toda espécie de egoísmo...

- O tempo passa: é preciso saber viver. Para Deus, “mil anos são como um dia...”. Dizemos que o tempo passa sem que percebamos. O tempo do relógio, nós o perdemos mesmo contra a nossa vontade. Porém, dentro do tempo cronológico, podemos viver o tempo cairológico, o tempo de Deus, que “não quer que ninguém se perca, mas que todos venham a converter-se”. Depende de nossas escolhas: ou “perdemos tempo” com superficialidades que nos satisfazem apenas momentaneamente (e não faltam “pregadores” para nos convencer disso), ou “ganhamos tempo” com o cultivo de valores eternos que nos realizam plenamente... O tempo cronológico do Advento é propício para a tomada de decisões que transformem a nossa vida inteira em tempo cairológico, de graça e salvação.

Celso Loraschi

Mestre em Teologia Dogmática com Concentração em Estudos Bíblicos, professor de evangelhos sinóticos e Atos dos Apóstolos no Instituto Teológico de Santa Catarina (Itesc). E-mail: [email protected]