Roteiros homiléticos

14 de dezembro – 3º DOMINGO DO ADVENTO

Por Celso Loraschi

Jesus é a luz verdadeira

I. Introdução geral

Nas leituras deste domingo, transpira alegre expectativa. O Salvador vem! O testemunho de João Batista não deixa dúvidas de quem é Jesus: a luz verdadeira que vem iluminar todo ser humano. Com a missão de preparar a sua vinda, João Batista nos convoca a “endireitar o caminho do Senhor” (evangelho). Jesus é o Messias, o ungido de Deus, enviado ao mundo “para trazer a boa notícia aos pobres, para curar os corações feridos, para proclamar a liberdade aos oprimidos, para libertar os presos e anunciar o ano da graça do Senhor...” (I leitura). O amor gratuito de Deus manifestado em Jesus Cristo nos enche de alegria e confiança; somos tomados pelo sentimento de gratidão. Em oração e em ação de graças, acolhemos a vontade divina e nos esforçamos para viver na santidade (II leitura). É preciso aguçar os ouvidos e abrir o coração para que a palavra de Deus penetre em cada um de nós a fim de se desdobrar em boas obras. Quando uma pessoa se decide convictamente a viver na luz de Jesus, passa também a iluminar o mundo... 

II. Comentário dos textos bíblicos

1. Evangelho (Jo 1,6-8.19-28): O testemunho de João Batista

O prólogo do Evangelho de João apresenta Jesus como a Palavra que existe desde sempre, pois ele é Deus. Por meio dela, tudo foi feito. “Nela estava a vida, e a vida era a luz dos seres humanos. Essa luz brilha nas trevas, e as trevas não conseguiram apagá-la... E a Palavra se fez carne e habitou entre nós” (1,4-5.14). Quem poderia acreditar nessas afirmações?

Um homem, enviado por Deus, vem para testemunhar essa verdade. Seu nome é João, que significa “Deus é favorável”. O seu testemunho é verdadeiro, pois não é dado por algum interesse pessoal, mas pelo cumprimento de uma missão divina. Em sua humildade, ele nega ser Elias ou algum dos profetas. No entanto, ele “foi enviado”, assim como os profetas eram enviados por Deus para proclamar a sua vontade ao povo. Alguns deles anunciaram a vinda do Messias. João Batista completa a profecia do Primeiro Testamento, bem próximo à vinda do Messias, preparando-lhe o seu caminho.

O testemunho fala alto. A pregação que sai da boca de quem vive o que fala penetra fundo no coração dos ouvintes. O testemunho de João Batista era tão forte, que muitos achavam que ele fosse a verdadeira luz. Possuía uma autoridade especial, sem a delegação do sistema religioso centrado no templo. Isso provocou ciúme nas autoridades religiosas e também preocupação, por causa do seu poder de atrair multidões. Por isso, os judeus de Jerusalém enviam uma comissão de sacerdotes e levitas para investigar quem é João Batista. Ele esclarece: “Eu não sou o Cristo”. Ao negar também ser Elias ou qualquer outro profeta, está renunciando a entrar na forma institucional para permanecer livre e fiel à missão de precursor do verdadeiro Messias, que vem de forma transgressora e contrária à expectativa oficial.

A postura firme e coerente de João Batista, que culminou com o seu martírio, tornou-se para as primeiras comunidades cristãs um sinal de luz muito forte. Ao redor dele formou-se um movimento de seguidores. Foi necessário dirimir as dúvidas a respeito da sua identidade e missão. João Batista “não era a luz, mas veio para dar testemunho da luz”. Ele não é um obstáculo ou uma sombra, mas reflexo da grande luz. Seu ministério possui imensurável importância: proporcionar a acolhida do dom da fé no Messias verdadeiro.

O evangelho fundamenta a missão de João Batista no texto do Segundo Isaías (40,3): ele é “a voz que clama no deserto: endireitai o caminho do Senhor”. Os que entortaram o caminho do Senhor foram as autoridades judaicas, ali representadas pela delegação de sacerdotes e levitas. Elas vão se opor radicalmente a Jesus, tentando impedi-lo de exercer o seu ministério. É preciso ouvir a voz da profecia que clama no deserto. Pelo deserto, apoiado na certeza da presença de Deus, o povo foi abrindo o caminho para a terra de liberdade e vida. A presença salvadora de Jesus Cristo abre caminho para um novo mundo: depende de nossa acolhida e adesão à sua proposta. A voz da profecia – conforme o testemunho e a pregação de João Batista – incomoda quem não deseja mudanças. É para a nossa conversão e consequente adesão a Jesus como nosso salvador que João Batista foi enviado...

2. I leitura (Is 61,1-2a.10-11): O Espírito Santo nos ungiu

O movimento profético de Isaías Terceiro (Is 56-66) emergiu no período do pós-exílio (ao redor do ano 500 d.C.). A situação do povo é conturbada. Há sérios conflitos entre os que voltaram do exílio e os que permaneceram na terra de Judá. Um pequeno grupo se impõe com o apoio do governo persa, arrogando-se o direito de tomar posse da terra. Uma elite sacerdotal reconstrói o templo e organiza o sistema de pureza. O povo é oprimido e cada vez mais empobrecido sob a obrigatoriedade de pagamento de impostos tanto aos persas como ao templo.

O grupo profético toma posição a favor dos pobres. Sente-se vocacionado por Deus e ungido pelo Espírito Santo para fortalecer o ânimo e a esperança das pessoas vítimas do poder político e religioso. Pelas categorias citadas, descobrimos a condição social dessa gente: são pobres, possuem coração ferido, são pessoas oprimidas e são presas. A elas Deus envia o profeta com a missão específica de anunciar a boa notícia, curar, proclamar a liberdade e libertar. É Deus intervindo na história humana para resgatar a vida onde ela está sendo ameaçada.

A utopia que move esse movimento profético é uma sociedade justa e fraterna, como foi no tempo do tribalismo israelita. É o que se constata pela referência à promulgação do “ano da graça do Senhor”: diz respeito à celebração do ano jubilar, com a tomada de medidas para a repartição da terra às tribos, o perdão de todas as dívidas e a libertação dos escravos, a fim de que não houvesse pessoas excluídas. Essa utopia serviu de matriz inspiradora para a ação do grupo profético do Terceiro Isaías, comprometido com a organização de uma sociedade justa. Sua concepção de Deus contrapõe-se à dos sacerdotes do templo. É outra teologia, que emerge do lugar social das pessoas injustiçadas. Jesus se alimentou dessa teologia comprometida com a vida em abundância para todos. Conforme vai relatar o Evangelho de Lucas (4,18-19), é exatamente esse texto de Isaías (61,1-2a) que Jesus vai assumir como síntese reveladora de sua missão.

A segunda parte dessa I leitura (61,10-11) consiste num hino de louvor e alegria pela certeza do agir libertador de Deus junto a seu povo. Vislumbra-se a realização da utopia de um novo mundo, porque Deus assim o quer. “Eis que vou criar um novo céu e uma nova terra” (Is 65,17). O povo, ungido pelo Espírito de Deus, sente-se renovado: vestido com vestes de salvação, coberto com o manto da justiça, preparado para a celebração de um novo casamento. Deus, sempre fiel à aliança, “faz germinar a justiça e o louvor em todas as nações”. A vinda de Jesus é a realização desse sonho...

3. II leitura (1Ts 5,16-24): Alegrai-vos sempre

Em sua primeira carta aos Tessalonicenses (que também é o primeiro escrito canônico do Segundo Testamento), Paulo demonstra preocupação especial com o comportamento da comunidade cristã, que vive a expectativa da vinda de Cristo. Ele usa a palavra “parúsia” (“vinda”), que, na cultura greco-romana, designa a chegada solene de uma pessoa ilustre. Nesse caso, refere-se à volta triunfal de Jesus.

Paulo exorta os cristãos a viver preparados para a parúsia, que se dará de forma repentina. Em que consiste essa preparação? Pode ser resumida neste apelo: “Vede que ninguém retribua o mal com o mal; procurai sempre o bem uns dos outros e de todos” (5,15). Tendo por fundamento o amor fraterno, a comunidade não precisa temer. Pelo contrário, pode alegrar-se sempre. Na certeza do encontro com o Senhor, deve orar incessantemente, dando graças a Deus.

A alegria do cristão é contínua e funda-se na fé no Senhor Jesus. Ela não depende de circunstâncias externas; mesmo num mundo hostil, permanece viva. A alegria constante está intimamente ligada ao hábito da oração, num espírito de ação de graças a Deus, fonte de todo bem. É de sua vontade que estejamos conscientes disso e levemos uma vida de gratidão. Ele nos dá o Espírito Santo com seus dons; ele suscita profecias, isto é, maneiras diversas de instruir para edificar e para discernir o que é bom. Paulo continua com tom imperativo: “Guardai-vos de toda espécie de mal”.

Percebe-se que o apóstolo oferece suas instruções num tom de seriedade e vigilância. Ele nos exorta a ser íntegros e irrepreensíveis, vivendo conforme a vontade do “Deus da paz”, que nos concede a santidade perfeita e nos sustenta nesta caminhada ao encontro do Senhor que vem. Essa paz divina é muito mais do que a ausência de conflitos, não consiste em mera tranquilidade, mas está ligada à reconciliação definitiva com Deus e com as bênçãos messiânicas.

III. Pistas para reflexão

- Acolher a luz verdadeira. Em preparação ao Natal do Senhor, é importante prestar atenção à voz de João Batista, que anuncia a vinda de Jesus, a luz verdadeira. Como profeta, enviado por Deus, ele nos exorta a “endireitar os caminhos do Senhor”. Com a vinda de Jesus, já não precisamos andar às cegas ou tateando na direção de pequenas luzes que logo se apagam. As trevas foram definitivamente vencidas pelo Messias, a luz do mundo. Como João Batista, podemos transformar nossa vida em reflexo da luz verdadeira. É Jesus que deve brilhar por meio de nosso jeito de ser e agir... Que trevas existem em nós que precisam ser dissipadas?

- Ungidos pelo Espírito Santo. A profecia de Isaías Terceiro revela que o Espírito de Deus está sobre as pessoas marginalizadas pelo sistema de poder. Também João Batista é um profeta marginalizado que prega no deserto. São pessoas pequeninas, reflexos do amor de Deus. São ungidas pelo Espírito Santo... Também Jesus vai nascer à margem da cidade de Belém. Ele é o Filho de Deus. Ungido pelo Espírito Santo, vai assumir a causa da libertação das situações que oprimem o ser humano. Deus age por meio das pessoas humildes e frágeis... O que isso quer dizer para nós hoje?

- Alegria e oração. São Paulo exorta: “Alegrai-vos sempre, orai sem cessar”. A alegria cristã nasce da fé em Jesus. Ela jamais se apaga, não importam as circunstâncias. Está intimamente ligada à oração constante. É pela oração e pelo amor fraterno que permanecemos na paz de Deus e irradiamos a sua luz. As trevas se dissipam, e o Espírito Santo nos ajuda a discernir o que é bom e a viver na santidade... Neste tempo de Advento, é bom nos perguntar: como vai a nossa vida de oração pessoal, familiar e comunitária?

Celso Loraschi

Mestre em Teologia Dogmática com Concentração em Estudos Bíblicos, professor de evangelhos sinóticos e Atos dos Apóstolos no Instituto Teológico de Santa Catarina (Itesc). E-mail: [email protected]