Roteiros homiléticos

13 de julho – 15º DOMINGO DO TEMPO COMUM

Por Pe. Johan Konings, sj

A SEMENTE QUE É A PALAVRA

I. INTRODUÇÃO GERAL

A primeira leitura de hoje nos põe diante dos olhos a imagem da semente, significando a palavra de Deus. Isso serve como pano de fundo para o evangelho, no qual a semente é a palavra de Deus em Jesus Cristo e na pregação cristã. A segunda leitura não contempla a mesma temática, mas nos chama a atenção para a participação do inefável mistério de Deus, que é a nossa vocação.

II. COMENTÁRIO DOS TEXTOS BÍBLICOS

1. I leitura (Is 55,10-11)

A primeira leitura, Is 55,10-11, é uma chave de interpretação para tudo o que Deus faz por sua gente. É a conclusão do “Segundo Isaías” e retoma o início dessa parte do livro (Is 40-55), no qual lemos que “a palavra de nosso Deus permanece sempre” (Is 40,8). A palavra de Deus é sua vontade eterna, seu desígnio, que se torna ativamente presente em nossa história humana (mediante os profetas, os líderes e o empenho do povo todo), realizando o que pretende (sua “missão”), como a chuva que cai do céu e faz frutificar a terra (v. 11). Mas o ouvinte da palavra tem de colaborar. Deus não força ninguém, ele se deixa acolher. Se alguém não o acolhe ou acolhe mal, de modo superficial, nada feito: não cria vínculo com Deus. Aí está o mistério da liberdade da alma humana.

2. Evangelho (Mt 13,1-23)

Como dissemos, o texto da primeira leitura constitui o pano de fundo do evangelho de hoje. O capítulo 13 de Mateus contém sete parábolas do Reino de Deus; hoje ouvimos a parábola inicial, a parábola do semeador (Mt 13,1-23), referindo-se à palavra de Deus. A parábola do semeador aplica-se à pregação de Jesus e à pregação de seus discípulos de todos os tempos. Descreve o que acontece com a semente da Palavra em várias circunstâncias, com diversos tipos de pessoas; e, conforme o caso, o resultado é diferente. Resultado bom mesmo, que corresponda à fecundidade que a palavra de Deus possui em si mesma (cf. 1ª leitura), só se produz quando ela cai em terra boa: naquele que, ao ouvir a palavra, a deixa penetrar, a absorve e integra no próprio pensar e sentir (pois é isso que significa a expressão “entende” em Mt 13,23) e a põe em prática. A parábola propriamente (os versículos 1-9) pertence ao gênero das parábolas da natureza, mais especificamente da vida agrícola e pastoril, que são frequentes no ensinamento de Jesus e revelam o ambiente em que se deu a sua pregação. Além da parábola do semeador (Mt 13,1-9//Mc 4,1-9//Lc 8,4-8), conhecemos outras parábolas que recorrem à imagem da semente e da colheita (a semente que cresce por si, Mc 4,26-29; o joio e o trigo, Mt 13,24-30; o grão de mostarda, Mt 13,31-32//Mc 4,30-32; a colheita se aproximando, Jo 4,35-36). Jesus deve ter usado muitas vezes tais imagens, em sentidos diversos, variando conforme a circunstância da pregação. São imagens de sentido aberto, de “leitura infinita”. A explicação da parábola em Mateus (os versículos 18-23) é, em grandes linhas, igual à que se encontra em Marcos (4,13-20) e em Lucas (8,11-15), descrevendo as diversas maneiras de ouvir a Palavra. Contudo, ao explicar o primeiro caso do que acontece à semente, Mateus insiste num ponto específico: “todo aquele que ouve a palavra do Reino (= a pregação de Cristo) e não a compreende” (Mt 13,18). Marcos e Lucas falam apenas do cair fora do campo. Mateus, o “evangelista escriba”, insiste no compreender, que implica o aprender. No domingo anterior, também num texto próprio de Mateus, vimos que Jesus insistiu no seu “jugo”, ou seja, no seu ensinamento, que é melhor que o dos mestres judeus (Mt 11,28-30). Aqui temos novamente essa insistência no compreender, na atitude de discípulo, não apenas de seguidor entusiasmado. A Igreja insiste em que sejamos discípulos-missionários. E no atual contexto de nosso mundo, tão avesso ao aprofundamento, essa insistência no aprender e compreender pode ser muito importante. Entre a parábola propriamente (v. 1-9) e sua explicação (v. 18-23), Mateus insere uma reflexão (v. 10-17) que revela a preocupação das primeiras gerações cristãs com a incredulidade (cf. também Mc 4,11-12). Os discípulos perguntam por que Jesus fala em parábolas, em vez de dizer as coisas direta e claramente. A resposta é: porque o Reino de Deus não é algo de evidência imediata. Não se mostra ao olhar superficial. Só é compreendido por quem quiser participar; por quem, na fé, se entrega à sua dinâmica. A realidade do Reino, nas parábolas, revela-se a quem crê e esconde-se a quem não crê. Por que alguns entendem, outros não? A uns é dado conhecer os mistérios do Reino, outros não chegam a abrir a casca da parábola (v. 11). É como nos negócios: a quem tem, será dado; a quem não tem, ainda se retira o pouco que têm (v. 12). É como no banco: quem tem bastante depósito, ganha crédito; mas quem não tem, não consegue nada e ainda vê sua conta secar por causa das tarifas... Jesus cita essa “regra bancária” não como um dogma, mas como ilustração, porque seu povo conhecia muito bem essas coisas! Jesus aplica essa imagem à fé. Os judeus farisaicos achavam que possuíam algo: o seu refinado conhecimento das regrinhas da Lei; mas esse “algo” não valia nada em vista da graça de Deus. Já aos que têm a fé, no sentido de abertura de um coração simples e humilde (cf. evangelho de domingo passado), a esses é dado conhecer o mistério do Reino. Ora, a existência da incredulidade não contraria o plano de Deus: o projeto de Deus dá conta até da incredulidade. O confronto com a incredulidade já fazia parte do programa do profeta Isaías, citado no evangelho de hoje (Mt 13,14-15; os primeiros cristãos citavam com frequência essa passagem de Is 6,9-10; cf. também Jo 12,40; At 28,26-27). O ser humano é livre para ser incrédulo, mas o plano de Deus é tão grande, que consegue até incluir essa incredulidade... Segue, então, mais uma felicitação para os simples e pequenos, que podem enxergar o que muitos profetas quiseram ver e não viram (v. 16-17; cf. evangelho de domingo passado). E os incrédulos, será que não conhecerão a salvação? Paulo, em Rm 9-11, debate-se com esse problema e só sabe responder que ninguém sonda o “abismo” da sabedoria de Deus (cf. Rm 11,33-36). A incredulidade ante a mensagem cristã não tem necessariamente por consequência a rejeição a Deus. Só Deus sabe quem se abre intimamente a ele e quem não. Mas os que, por causa da incredulidade, não conseguem acolher e fazer frutificar a Palavra carecem da felicidade de ser, desde já, povo-testemunha de Deus. Talvez se salvem, mas não podem cantar, já agora, as maravilhas do Senhor e reconhecer seu Reino em Jesus Cristo.

3. II leitura (Rm 8,18-23)

A segunda leitura, falando da “criação que anseia pela manifestação dos filhos de Deus”, dá sequência ao tema da vivificação pelo Espírito e da vida nova em Cristo, abordado na segunda leitura do domingo passado. Existir, para o ser humano, implica sofrer. No seu sofrimento, o ser humano exprime o gemido da inteira criação, ainda não libertada. Talvez seja por isso que tanto se procura reprimir esse gemido pelo mito da transformação tecnológica! Mas não é sufocando o grito da criação que o ser humano se realiza, e sim intermediando, como sacerdote, seu pleno desabrochamento. No ser humano, a criação deve participar da realidade divina, da “liberdade dos filhos de Deus” (Rm 8,23.21). No contexto imediatamente anterior, Paulo disse que recebemos o Espírito de Cristo, que clama em nós “Abbá, Pai”; o Espírito que nos transforma em filhos adotivos de Deus, coerdeiros com Cristo, chamados para a glória com ele (cf. Rm 8,14-17). Mas essa glória ainda não se revelou em nós, embora já tenhamos recebido o Espírito como primícia, como sinal do benefício pleno. Por isso, nós e toda a criação estamos ansiando por essa plenitude, como uma mulher em dores de parto (cf. Jo 16,21): o filho está aí, mas, até que se manifeste, a mãe tem de passar pelo trabalho de parto. É essa a situação nossa e de nosso mundo, solidário conosco.

III. PISTAS PARA REFLEXÃO: o porquê das parábolas

Isaías disse que a palavra de Deus é eficaz “como a chuva no chão” (1ª leitura). Mas Jesus acrescenta: depende da acolhida dada pelo chão! A semente da palavra tem tudo para crescer, mas precisa ser acolhida num chão aberto, generoso, preparado... num coração acessível e profundo ao mesmo tempo (evangelho). Jesus usa imagens, parábolas. Pode acontecer que uma pessoa simples as entenda, enquanto os de “coração empedernido” ouvem e veem exteriormente, mas não percebem interiormente o que a palavra significa – ao contrário da “terra boa”, que representa quem “ouve a palavra e a compreende”. Jesus falou em parábolas, para que os mais simples pudessem entender e para que, assim, aparecesse o endurecimento daqueles que ouvem sem entender. Naqueles que ouvem e não compreendem, a palavra não cria raízes. Jesus explica as causas disso: o “maligno” (as forças contrárias a Jesus e ao Reino de Deus), a superficialidade, a desistência na hora da dificuldade, as “preocupações do mundo e a ilusão da riqueza”. Mas, graças a Deus, existem também aqueles que ouvem e compreendem e produzem fruto. A diferença está na disposição do ouvinte. As causas da incompreensão da Palavra são ainda as mesmas hoje: estratégia das forças contrárias ao evangelho, consumismo, idolatria da riqueza. Em compensação, os “mistérios do Reino”, quando apresentados em imagens compreensíveis ao povo, são tão transparentes, que até os mais simples os entendem e se tornam seus melhores propagandistas. Importa, pois, prepararmos o chão dos corações, para que possam receber a Palavra. Importa combatermos as causas do “endurecimento”: dominação ideológica, alienação, consumismo, culto da riqueza e do prazer etc. Em nosso “combate” não devemos desprezar os meios humanos, principalmente a educação geral sólida e profunda. Em vez do fascínio dos sempre novos – e tão rapidamente envelhecidos – objetos de desejo, devemos fomentar a formação para a autenticidade e a simplicidade, a educação libertadora com vistas ao evangelho. Então, a Palavra, que desce como a chuva do céu, poderá penetrar no chão e fazer a semente frutificar.

Pe. Johan Konings, sj

Nascido na Bélgica, reside há muitos anos no Brasil, onde leciona desde 1972. É doutor em Teologia e mestre em Filosofia e em Filologia Bíblica pela Universidade Católica de Lovaina. Atualmente, é professor de Exegese Bíblica na Faje, em Belo Horizonte. Dedica-se principalmente aos seguintes assuntos: Bíblia – Antigo e Novo Testamento (tradução), Evangelhos (especialmente o de João) e hermenêutica bíblica. Entre outras obras, publicou: Descobrir a Bíblia a partir da liturgia; A Palavra se fez livro; Liturgia dominical: mistério de Cristo e formação dos fiéis – anos A-B-C; Ser cristão; Evangelho segundo João: amor e fidelidade; A Bíblia nas suas origens e hoje; Sinopse dos Evangelhos de Mateus, Marcos e Lucas e da “Fonte Q”.