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Publicado em número 119

Imortalidade, Reencarnação ou Ressurreição?

Por Roque Frangiotti

“Irmãos, não queremos que ignoreis o que se refere aos mortos, para não ficardes tristes como os outros que não têm esperança. Se cremos que Jesus morreu e ressuscitou, assim também, os que morreram em Jesus, Deus há de levá-los em sua companhia” (1Ts 4,13-14).

“Ora, se se prega que Cristo ressuscitou dos mortos, como podem alguns dentre vós dizer que não há ressurreição dos mortos? Se não há ressurreição dos mortos, também Cristo não ressuscitou. E, se Cristo não ressuscitou, vazia é a nossa pregação, vazia também é a vossa fé” (1Cor 15,12-14).

Num artigo anterior[1], tivemos a oportunidade de refletir sobre a morte como o momento supremo de crise-julgamento da pessoa. Tentamos assim redefinir e reempostar a concepção da morte. Neste artigo, tentaremos abordar o que acontece depois da morte. Não se trata evidentemente de uma “reportagem” sobre aquilo que acontece com a pessoa que morre. Nem é questão de repassar as provas da imortalidade da alma com o fim de verificarmos suas argumentações e a validez de suas conclusões. Não se trata tampouco de examinarmos a doutrina da reencarnação para averiguarmos o bem ou o mal fundado desta doutrina. Nosso propósito é tão somente o de verificarmos o ensino do Novo Testamento sobre a questão do após-Morte: propõe ele uma imortalidade da alma, a reencarnação ou a ressurreição dos mortos?

I. A IMORTALIDADE DA ALMA

Oscar Cullmann, no seu livro Del Evangelio a la formación de la teología cristiana, abre o capítulo sobre a “Imortalidade da alma ou Ressurreição dos mortos” com esta afirmação: “Perguntemos a um cristão, protestante ou católico, intelectual ou não, a seguinte questão: ‘O que ensina o Novo Testamento sobre o futuro individual do homem depois da morte?’. Salvo raríssimas exceções, obteremos sempre a mesma resposta: a imortalidade da alma. Sem embargo, esta opinião, por muito difundida que esteja, significa um dos maiores e perigosos mal-entendidos do cristianismo. (…) Perguntemos agora: ‘Seria compatível a fé dos primeiros cristãos na ressurreição com a concepção da imortalidade da alma?’”[2].É, conforme vamos demonstrar neste artigo, negativa sua conclusão. Estudando a questão, fizemos outra constatação: a produção teológica e filosófica, na história do pensamento ocidental, é bem maior sobre a imortalidade do que sobre a ressurreição. Como se explica este desvio? Como explicar que a concepção grega de que a alma é imortal por sua própria natureza tornou-se dominante no pensamento cristão, quando os cristãos, desde as origens, professam sua fé na “ressurreição da carne” e não na “imortalidade da alma”?

1. A crença comum: desejo de sobrevivência

Num primeiro momento, o que se pode constatar é um ponto comum que perpassa, todas as crenças: a morte não termina com tudo, não destrói a vida. A vida continua, de uma ou de outra maneira. A sobrevivência depois da morte já se observa no período neolítico, isto é, um dos períodos da pré-história caracterizado pelo aparecimento dos primeiros instrumentos de pedra polida, da cerâmica, agricultura, domesticação dos animais. Ornamentos colocados perto dos mortos, instrumentos e mantimentos; casas e túmulos construídos para eles, dão testemunho da crença de que alguns dos defuntos continuavam durante certo tempo a ter uma espécie de existência depois da morte. No culto dos ante­passados estava implícita a crença de que eles continuavam a existir e protegiam os seus descendentes. Na índia, partindo-se das mesmas crenças, desenvolveu-se a doutrina da metempsicose (reencarnação).

2. A sistematização filosófica

No entanto, é somente com Platão que essa crença da sobrevivência depois da morte, que chega ao mundo grego através do Orfismo, vai receber uma sistematização e um endereçamento filosófico. Sócrates, em diálogo com seus discípulos, não representa a busca de uma nova concepção sobre a imortalidade, mas a tendência crítica em dar base racional a uma ideia admitida por muitos. Assim, essa crença primitiva, amparada num sistema filosófico, o platônico, é acolhida no seio do judaísmo primeiro, no período de helenização, e depois no cristianismo onde ganha corpo. Talvez a razão pela qual essa doutrina da imortalidade da alma tenha suplantado, em termos de produção literária, os escritos sobre a ressurreição, seja a de que ela se presta melhor à especulação filosófica[3].

II. A REENCARNAÇÃO

Reencarnação é o nome que os teósofos modernos e os espíritas dão à antiga crença conhecida com o nome de metempsicose. Nessa crença, supõe-se que a alma, sem perder a sua identidade, entra em outras formas de vida, subindo ou descendo na escala dos seres conforme os atos que tiver praticado. Assim a alma humana vai passando de corpo em corpo, até atingir o seu estado de perfeição. A metempsicose é, sem dúvida, uma das doutrinas mais antigas e mais difundidas, no mundo antigo. Segundo Heródoto, historiador grego que viveu entre 484-420 a.C., os egípcios teriam sido os primeiros a professar esta crença, mas estudiosos e historiadores modernos não aceitam mais esta tese. Alguns julgam como mais provável que essa crença tenha tido sua origem na Índia.

Conforme nosso propósito, exposto na introdução deste artigo, não é nossa intenção demonstrar aqui a falha das argumentações que o codificador do moderno Espiritismo, “Allan Kardec”, pretende encontrar nas Escrituras. Ele mesmo se expressa assim: “O princípio da reencarnação se deduz de muitas passagens das Escrituras e se encontra notoriamente formulado de modo explícito no Evangelho”[4].

1. As divergências entre os reencarnacionistas

Não há unanimidade entre os que pro­põem a reencarnação como doutrina formulada tanto pelo judaísmo como pelo Novo Testamento. Uns afirmam que a reencarnação é uma lei geral para todos os espíritos. Outros afirmam que somente os espíritos atrasados reencarnam ou então os mais perfeitos que devem cumprir uma missão especial na terra ou em outro mundo habitado. Uns ensinam que a reencarnação só se realiza na terra, outros admitem que ela ocorre também nas estrelas e planetas. Alguns creem que o ser humano se reencarna constantemente no mesmo sexo, outros creem numa variação alternada. Uns julgam que a reencarnação ocorre imediatamente após a morte, outros dizem que há um intervalo de 1.500 anos. Para alguns, a reencarnação é um castigo pelos pecados cometidos numa existência anterior, para outros é apenas um fenômeno da natureza puramente físico sem dependência de ordem moral. Enquanto alguns pensam que as reencarnações são ilimitadas, outros pensam que se pode chegar a um estado definitivo e estável com um número de vidas relativamente pequeno. Enquanto alguns afirmam que a reencarnação é somente progressiva, rumo à perfeição individual ou rumo à uma reintegração em Deus, outros defendem que ela é também regressiva, de modo que se poderia dar o caso de um espírito que animou um corpo humano passasse a tomar um corpo animal ou mesmo vegetal[5].

2. O Karma

O traço característico da metempsicose budista é a doutrina do Karma. Segundo esta doutrina, o que sobrevive não é propriamente a individualidade, a alma pessoal. O que passa à nova vida é o Karma, isto é, a Ação: a suma de todos os atos do homem, seus méritos, o resultado ético de sua vida prévia, ou valor total, despojado de sua individuação anterior. O Karma é o destino ético da pessoa. A Ação emana de si, fatalmente, uma força irresistível que acarreta prêmio ou castigo. Segundo seja o Karma, maior ou menor, assim a metempsicose será para a promoção-progresso ou degradação-regressão. No Budismo que aceita a metempsicose, uma das finalidades supremas do conhecimento iluminado é a recordação dos nascimentos anteriores. Contudo, a metempsicose não é a exaltação da pessoa, mas o prefácio à doutrina do aniquilamento final de cada um no Nirvana.

III. A RESSURREIÇÃO

Um estudo sério do Novo Testamento leva à conclusão, como veremos, de que o cristianismo deve recusar a concepção-crença pela qual o ser humano vence a morte em virtude da imortalidade da alma ou da reencarnação. O cristianismo não propõe pura e simplesmente a sobrevivência da alma, após a morte. O ser humano não experimenta, na realidade, a morte, segundo estas doutrinas da imortalidade e da reencarnação. Do mesmo modo, não seria o ser humano em sua totalidade que encontraria salvação, mas apenas a alma. A doutrina cristã diz muito mais: é uma participação do ser humano inteiro, completo, tanto na morte como na ressurreição que ela apresenta. Assim, o cristianismo faz desaparecer toda metempsicose ou reencarnação pela grande força com que afirma a responsabilidade dos destinos eternos do ser humano, junta­mente com a morte-ressurreição dos corpos enquanto próprios de cada pessoa. Contudo, o cristianismo não foi o primeiro a propor a crença na ressurreição dos mortos.

1. A lenda de Fênix

Um dos mitos mais antigos e dos mais conhecidos que nos chegaram da antiguidade é o de Fênix que renasce de suas próprias cinzas. Clemente Romano, terceiro sucessor de Pedro na Igreja de Roma (de 92 a 102 d.C.), conta esta lenda na Carta aos Coríntios, do seguinte modo: “Consideremos o sinal estranho que tem lugar nas regiões do Levante, quero dizer na Arábia. Há lá um pássaro ao qual se lhe dá o nome de Fênix. Este pássaro e o único em sua espécie e vive 500 anos. Quando chega o momento em que ele vai se dissolver, na morte, ele fabrica, com incensos, mirras e outras plantas aromáticas, um ninho funerário onde ele penetra, uma vez terminado seu tempo, ali morre. Da carne em putrefação, nasce um verme. Este verme se nutre dos despojos do animal morto e se cobre de penas. Depois, quando ele se fortaleceu, ergue-se do ninho ande se encontram os ossos de seu ancestral e, com eles, passa da Arábia para o Egito até a cidade que se chama Heliópolis. Em pleno dia, aos olhos de todos, ele dirige seu voo para o altar do Sol, deposita o ninho e toma então seu impulso para retornar. Os sacerdotes compulsam seus anais e descobrem que o pássaro veio após decorridos quinhentos anos. Julgamos, certamente, que é um prodígio extraordinário se o Criador do Universo faz ressuscitar aqueles que o serviram na santidade e com confiança de uma fé perfeita, quando mesmo através de um pássaro ele manifesta a grandeza daquilo que ele tinha anunciado”.

2. A serpente conhece o segredo da vida

Outra lenda vinda da mais longínqua antiguidade lembra um aspecto da cena da tentação do Paraíso terrestre. Ela nos mostra a serpente detentora do segredo da vida e, em consequência, capaz de ressuscitar os mortos.

Uma serpente mordeu, certo dia, o rosto de Tylos, irmão de Moria. Tylos morreu no mesmo instante. Um gigante, Damasiano, chamado por Moria, esmagou a serpente assassina. A fêmea da serpente morta se afastou rapidamente para um bosque e de lá trouxe outra erva que ela colocou sobre as narinas do monstro. Imediatamente a serpente retornou à vida, fugindo, em seguida, com a fêmea. Moria testemunhou a cena. Foi e utilizou a mesma erva ressuscitou seu irmão[6].

A lenda nos interessa aqui por mostrar que o segredo da vida não está nas mãos dos homens. A erva da ressurreição só é conhecida da serpente. Assim, no Paraíso terrestre, fora uma serpente que induzira, num ato inverso, o primeiro casal humano a perder a vida.

3. A Ressurreição no Judaísmo

Os primitivos judeus não tinham ideia precisa sobre a vida futura. A concepção da ressurreição apresenta-se, pela primeira vez, na literatura apocalíptica, no livro de Daniel 12,1-3, como texto extremamente importante.

Sabemos por Atos 23,8; 4,1-2; Mateus 22,33 e outras fontes[7],que os Saduceus, baseando-se estritamente no Pentateuco, não admitiam a existência dos anjos, demônios, nem acreditavam na ressurreição. Mas essa crença era um dos pontos fundamentais da fé e da doutrina dos Fariseus. A. Cohen, na sua apresentação do Talmud, abordando a questão da vida além da morte, diz: “No ensinamento religioso dos rabinos concernente à vida depois da morte, a doutrina da ressurreição ocupa o lugar mais importante. Eles fizeram dela um artigo de fé que não se pode negar sem pecar. (…) Isto se explica historicamente pelas consequências das controvérsias religiosas. A ressurreição foi um dos pontos marcantes da oposição entre Fariseus e Saduceus. Estes últimos (…) julgam que a alma se extingue por ocasião da morte física; esta para eles marca o fim do ser humano. Negando a existência depois da morte, rejeita-se a doutrina das sanções, recompensa e castigo, à qual os Fariseus atribuíam grande importância, e pela qual lutaram ardentemente”[8].Ainda segundo A. Cohen, uma razão pela qual os Saduceus rejeitavam a ressurreição, era, conforme eles, que ela não era mencionada no Pentateuco. Ela fazia, pois, parte da Torá oral cuja autoridade eles não admitiam. No Talmud, replicam os rabinos, “não há nenhuma seção da Torá (escrita) que não implique a doutrina da ressurreição; somos nós que não temos a capacidade de expô-la neste sentido”[9].

Vejamos rapidamente alguns exemplos, colhidos no Talmud de A. Cohen, de como os rabinos deduziam a doutrina da ressurreição da Torá. “Está escrito: ‘dareis aquilo que houverdes separado (da parte do dízimo) para o Eterno, ao sacerdote Aarão’ (Nm 18,28). Mas Aarão viverá sempre para a receber? Não é verdade que ele não entrou no país de Israel? Por conseguinte, o texto nos ensina que ele retornará à vida (no além) e receberá esta oferenda. Eis aí como a ressurreição deve ser deduzida da Torá[10].“Os Saduceus perguntavam ao rabino Gamaliel: ‘Como se sabe que o Santo Único (bendito seja!) ressuscita os mortos?’ — ‘Sabe-se, respondia o rabino, pelo Pentateuco, pelos Profetas e pelos Hagiógrafos’, mas eles não aceitaram suas provas. ‘Um Saduceu dizia à Gebiha B. Pesisa: ‘Ai de vós, criminosos (Fariseus), que dizeis que os mortos reviverão; visto que os vivos morrem, os mortos reviverão?’ — ‘Ai de vós, criminosos (Saduceus), respondeu Gebiha, a vós que declarais que os mortos não viverão; visto que aqueles que não existiam tomam nascença, quanto mais ainda reviverão aqueles que já viveram’”[11].

4. O que Jesus diz sobre a ressurreição?

Se, por um lado, há muita dificuldade em se chegar à uma conclusão sobre o significado preciso da ressurreição e do seu modo de acontecer; por outro lado, nos é fácil constatar o quanto se aponta para ela, no Novo Testamento. Não nos é possível estabelecer uma análise exegética de todas as passagens em que se aponta ou se fala diretamente da ressurreição, em todo o Novo Testamento. Por isso, nos contentamos em apontar alguns textos evangélicos que implicam, direta ou indiretamente, a fé na ressurreição.

a) Os Sinóticos

Pode-se, segundo afirmam autores como F. Mussner[12], basear a existência de uma vida após a morte em textos como o de Mt 6,19-21, onde a admoestação (…), “mas ajuntai para vós tesouros nos céus”, só adquire sentido quando se pressupõe uma vida após a morte. Do mesmo modo, textos como Mt 7,13-14: (…) “Estreita, porém, é a porta e apertado o caminho que conduz à Vida”; Mt 19,16-21: (…) “Mas se queres entrar para a Vida, guarda os mandamentos” (…), onde o termo vida significa ter parte na salvação, participar da vida eterna, como em Mt 25,46: “E irão estes para castigo eterno, enquanto os justos irão para vida eterna’. Todas estas passagens são enquadradas por uma referência direta à vida eterna, sem nenhuma menção nem da imortalidade, nem de uma reencarnação, nem de ressurreição. Contudo, o contexto global do Novo Testamento indica que o homem tem acesso à essa vida eterna somente através da ressurreição. Textos como o de Mt 10,28: “Não temais os que matam o corpo, mas não podem matar a alma. Temei antes aquele que pode destruir a alma e o corpo na geena”, e Mc 9, 43-48, onde se diz que é melhor entrar “mutilado para a Vida do que tendo as duas mãos (…), tendo os dois pés e ir para a geena”; implicam a fé na ressurreição dos mortos, ressurreição corporal.

Mas, o ensino de Jesus sobre a ressurreição aparece claramente, na versão sinótica, no debate de Jesus com os Saduceus[13]. Na resposta, Jesus censura os Saduceus de não conhecerem nem as Escrituras nem o poder de Deus. Se os Saduceus conhecessem melhor as Escrituras, certamente saberiam que elas falam e apontam para a ressurreição. Respondendo à questão posta pelos Saduceus, Jesus cita Ex 3,6 que era aceito por eles como Escritura canônica. Ora, segundo a interpretação de Jesus há nesta passagem uma referência à ressurreição, pois a expressão “Eu sou o Deus de Abraão, o Deus de Isaac e o Deus de Jacó” evoca a eleição divina e a fidelidade de Deus a seus eleitos. Essa eleição não é efêmera. Ela supera a morte fazendo com que o eleito de Deus retorne à vida pela fidelidade e poder de Deus. Tomando ainda como argumento o exemplo da sarça que ardia em fogo, mas não se consumia, Jesus se referia à morte que, em fazendo desaparecer o homem desta terra, não destrói para a vida eterna.

A tradição sinótica não fala abertamente da ressurreição dos ímpios, mas ela é pressuposta na parábola sobre o julgamento, de todos os homens. Para Tiro e Sidônia, o julgamento será menos severo que para as cidades da Galileia que não se converteram, apesar dos milagres operados por Jesus[14]. Por isso, também em Lc 14,14, onde se fala explicitamente “da ressurreição dos justos”, poder-se-ia entender num sentido exclusivo. Mas apoiando-se em Lc 20,35: “muitos pensaram que Lucas não admitia a ressurreição para os pecadores (concepção que se encontrava em certos meiosjudaicos de então). Mas Lucas anuncia em At 24, 15 uma ressurreição dos justos e dos pecadores. Suas expressões aqui em Lc 20,35 se explicam pelo fato de que só os justos chegam à verdadeira vida”[15].

b) Evangelho de João

Segundo o Evangelho de João, ocorrem tanto a ressurreição dos justos quanto a ressurreição para o juízo[16]. É assim que o ensino de Jesus sobre a ressurreição aparece de maneira mais completa e mais clara. Afirma-se aí que todos ressuscitarão, justos e pecadores, com a diferença de que os justos não serão submetidos ao julgamento[17].Segundo Jo 6,39-40, Jesus promete ressuscitar todo aquele que crê nele: “Que eu não perca nenhum dos que ele me deu, mas o ressuscite no último dia. Sim, esta é a vontade de meu Pai: quem vê o Filho e nele crê tem a vida eterna e eu ressuscitarei no último dia”. Como resposta aos murmúrios levantados pelos judeus contra Jesus, sobre o “pão descido do céu”, Jesus reafirma seu ensinamento fundamental: “Ninguém pode vir a mim se o Pai, que me enviou, não o atrair; e eu o ressuscitarei no último dia” (v. 44). Ainda dentro do discurso do pão da vida, Jesus revela e precisa, no arremate do discurso, o ato derradeiro da redenção que é a ressurreição: “Quem come a minha carne e bebe o meu sangue tem a vida eterna e eu ressuscitarei no último dia” (v. 54). O fato da ressurreição, o poder de Jesus sobre a morte, um e outro está afirmado no episódio da ressurreição de Lázaro[18].Conhecendo e confiando no poder de Jesus, Maria diz: “Mas ainda agora sei que tudo o que pedires a Deus, ele te concederá” (v. 22). Ao que Jesus responde: “Teu irmão ressuscitará” (v. 23). Marta retorna ao diálogo para expressar a fé comum, tradicional, dos judeus: a ressurreição, no último dia. A afirmação de Jesus corrige e tenta modificar a concepção de Marta, em termos de tempo: a ressurreição é já um ato presente; ela ocorre lá onde há fé autêntica nele. Jesus insiste naquilo que os judeus ignoravam: a parte, missão e poder do Messias na ressurreição. Crer no Messias é também crer na ressurreição.

IV. CONCLUSÃO

Não podemos repassar, neste artigo, todo o Novo Testamento, sobre a questão tão ampla e complexa como sugere o próprio título. Um vasto trabalho poderia ser feito sobre a literatura paulina, cujo texto mais extenso e importante se encontra em 1Cor 15. Aos Tessalonicenses, preocupado com a sorte de seus mortos, Paulo os consola com a perspectiva que lhe abre o ensinamento fundamental da ressurreição dos mortos. O autor da Carta aos Hebreus, fornecendo um esquema de um catecismo fundamental, cita como elemento indispensável da fé cristã a ressurreição: “Por isso, deixando de lado o ensinamento elementar a respeito de Cristo, elevemo-nos a uma perfeição adulta, sem ter que voltar aos artigos fundamentais: o arrependimento das obras mortas e a fé em Deus, a doutrina sobre os batismos e a imposição das mãos, a ressurreição dos mortos e o julgamento eterno”[19].

Segundo o Novo Testamento, Jesus esclareceu e firmou a fé nascida já no Antigo Testamento na ressurreição dos mortos. Em nenhum lugar se encontram elementos claros, sólidos ou suficientes para se desenvolver uma “doutrina da imortalidade da alma” e menos ainda de uma “doutrina da reencarnação. Além disso, Jesus uniu a fé nele com fé na ressurreição, por isso ele afirma: “Eu sou a ressurreição e a vida”. Em nenhum lugar ele ensina que a fé nele garante a “imortalidade”. A fé é garantia de ressurreição, de uma nova existência. Em nenhum lugar ele diz que o homem tem uma nova chance, numa possível reencarnação, até que adquira a perfeição desejada e necessária para ir junto de Deus. Todo ensino de Jesus é centrado na decisão que o homem deve tomar nesta vida. É aqui, neste mundo, nesta existência, que o homem deve decidir sua sorte eterna. Pela fé-adesão a ele, o homem obtém a garantia de que viverá eternamente; não em vista à imortalidade de sua alma ou de sucessivas reencarnações pelas quais alcança méritos de gozar essa eternidade, mas através de um novo ato de Deus: a ressurreição.



[1] Cf. Vida Pastoral, nº 118, 1984, pp. 21-27.

[2] Col. “Verdad e Imagem 31”, Ed. Sígueme, Salamanca, 1972, pp. 233-234.

[3] Fédon 713c; 80d; 81e; Plotino, Enneades II, 9,6.

[4] O Livro dos Espíritos, n. 222.

[5] Cf. B. Kloppenburg. “Fundamentos Cristianos de Ia Reencarnación?”, em Medellín, 14, vol. IV, 1978, p. 192.

[6] Cf. Dictionnaire des symboles, dir. por J. Chevalier e A. Gheerbrant, Seghers, 1974, vocábulo: résurrection.

[7] F. Josephus, Bello Jud. 2,8,14; Antiguidades 18,1.4.

[8] Col. 1. “Paythèque”, Payot, Paris, 1982, cap. XI, pp. 424-425.

[9] Sifré Deut. § 306; 132a, em op. cit., p. 425.

[10] Ibidem, pp. 425-426.

[11] Ibidem, p. 428.

[12] A Doutrina de Jesus sobre a vida futura, segundo os Sinóticos, em Concilium 60, 1970/10, pp. 1.241-1.248.

[13] MC 12,18-27; Mt 22,23-33; Lc 20,27-40.

[14] Mt 11,20-24.

[15] Nota da Tradução Ecumênica da Bíblia.

[16] Jo 5,28ss; 6,39ss; 11,25ss.

[17] Jo 5,28-29.

[18] Jo 11,1-44.

[19] Hb 6,1-3.

Roque Frangiotti